Bob Dylan, 74, e a Árvore da Música

Bob Dylan, 74 anos.

“Meus filhos estão começando a notar que eu sou poucou diferente dos outros pais. ‘Porque você não tem um trabalho normal como todo mundo?’, eles me perguntaram um dia. Então eu contei a eles esta história:

Na floresta, existiam uma árvore torta e outra reta. Todo dia a árvore reta falaria para a torta ‘Olhe para mim… sou alta, reta e linda. Olhe para você… você é toda torta e retorcida. Ninguém quer olhar para você’. E elas cresceram juntas na floresta. Um dia, os madeireiros vieram, viram as duas árvores e disseram: ‘Apenas cortemos as árvores retas e deixamos o resto’. Então os madeireiros transformaram todas as árvores retas em madeira serrada, palitos de dente e papel. E a árvore torta continua lá, crescendo cada vez mais forte e estranha a cada dia”.
Tom Waits

24 de maio de 2015. O garoto de Duluth que caiu na estrada para achar um lar e descobrir que a própria trilha é o destino faz 74 anos. O jovem que sempre conquistou pelo talento e muitas vezes foi desdenhado por sua audácia está velho. Mas ainda tem bons caminhos para nos mostrar.

Como a árvore de Tom Waits, Bob Dylan se preocupa em sempre crescer e evoluir através de imperfeições e imprevistos, ao invés de se concentrar na perfeição efêmera e previsível das perfumadas flores. Pode não exalar um cheiro encantador, mas se mostra virtuoso nas formas que ganha e conquista. Dia após dia. Há 74 anos.

Bob parece não buscar uma obra perfeita, mas um progresso infinito. Nada como um dia após outro dia – e cada um a sua maneira. Não olhe para trás. Não viva o mesmo dia duas vezes. Não pense duas vezes… está tudo bem.

Bob Dylan, 74 Anos

Ao violão, preencheu o folk com grossas folhas de verdades absolutas e permitiu que esta árvore crescesse com as curvas semânticas da poesia. Na guitarra, injetou a seiva bruta do pensamento ao rock, que se imbuiu de elaborar uma seiva fina, forte e muito nutriente para se espalhar desde então.

Mesmo depois de tantas mudanças, tantas raízes descobertas, tantas sementes semeadas e tantas seivas produzidas, Dylan continua investindo nesta floresta semiótica de ressignificação constante e eterna.

E se fizéssemos uma versão dylanesca da Árvore da Vida, de Darwin? Bob Dylan seria tanto o ponto inicial, onde tudo começou, quanto a própria Mãe Natureza, que garante que todos os pontos d’A Origem das Espécies sejam respeitados. Bob Dylan é o jardineiro e o próprio jardim.

Bob Dylan é a Floresta Amazônica e sua produção de oxigênio. Que nós respiramos todos os dias. Sabendo ou não. Há 74 anos.

Happy Birthday, Mr. Dylan.

Bob Dylan, 74 Anos

Dylan & Cash finalmente ganham créditos em museu de Nashville

Dylan, Cash, and the Nashville Cats: A New Music City

Visitei Nashville em 2013, quando acompanhei três shows da turnê AmericanaramA que Bob Dylan ao lado das bandas Wilco, My Morning Jacket e outros convidados. Na ocasião, meu passeio pela lendária “Capital da Música” expôs uma lacuna curiosa: quase nenhuma menção à Bob Dylan e sua relação com Nashville.

Contextualizando

Como escrevi na época, Robbie Robertson talvez tenha matado a charada pelo “ostracismo dylanesco” na Music City. Ele opina que a cultura de Nashville não tem o costume de valorizar músicos que não fazem parte do círculo local. Apesar de acharmos elementos aqui e ali, o “wild mercury sound” que Dylan conseguiu em Blonde on Blonde difere daquele que escutamos aos montes nas ruas da cidade.

Bob Dylan gravou quatro discos em Nashville: Blonde On Blonde (parte em Nashville, parte em New York), John Wesley Harding, Nashville Skyline e Self Portrait (também com sessões divididas entre Nashville e New York). Entre os dois maiores entusiastas e influenciadores da ida de Dylan à capital do Country estão: Bob Johnston, produtor nascido em Nashville que trabalhou com Dylan em New York, e Johnny Cash, que Bob conheceu no Newport Folk Festival e manteve contato até o reencontro em 1969, para as gravações de Nashville Skyline.

Dylan, Cash, and the Nashville Cats: A New Music City

A nova exposição do museu Country Music Hall Of Fame parece querer compensar este desdém passado. Em “Dylan, Cash, and the Nashville Cats: A New Music City”, o curador Pete Finney mostra a importância que a parceria entre Cash e Dylan teve para a ampliação da atuação de Nashville no cenário musical, expandindo sua atividade para além do country. A exposição também homenageia outros músicos locais importantes para a fama de alta qualidade da cidade, entre eles: Kenny Buttrey, Charlie Daniels, Pete Drake, Charlie McCoy e Jerry Reed – muitos deles com participações em discos de Bob Dylan.

A Rolling Stone destacou os principais itens da exposição que fica até o final de 2016. Veja uma compilação dos itens dylanescos:

1- Manuscrito de “Wanted Man”, música que Dylan escreveu para Johnny Cash, que a gravou no disco “Live At San Quentin”

2- Guitarra Telecaster, usada por Charlie Daniels nas gravações de Nashville Skyline e Self Portrait

3- Agenda de Charlie McCoy, músico responsável pelo solo em “Desolation Row”

4- Terno que Dylan usou no encontro com Papa João Paulo II, em 1997, feito pelo designer Manuel Cuevas.

5- Acetato de “4th Time Around”, que Bob gravou em Nashville no dia 14 de fevereiro de 1966.

6- Grammy de Johnny Cash pelo texto do encarte de Nashville Skyline

7- Ingresso para show que Dylan fez em Louisville, Kentucky, no dia 4 de fevereiro de 1966 – dez dias antes de começar a gravar Blonde on Blonde.

O site do museu destacou outros itens dylanescos, como:
– Mahogany 1949 Martin 00-17, que Bob Dylan no começo dos anos 60;
– Documentos do começo da carreira de Dylan, como seu primeiro show oficial em New York
– Guitarra Gretsch Country Gentleman de Ron Cornelius, usada em gravações de Dylan no começo dos anos 70.

Bob Dylan fala por 40 minutos durante homenagem!

Bob Dylan no MusiCares 2015

Bob Dylan, o artista que faz cerca de 100 shows anuais, mas desaparece nos hiatos de cada fase da turnê, resolveu aparecer em um tributo a si próprio. Numa pesquisa mental rápida, lembro da sua participação do Grammy de 2011 e da condecoração por Obama no ano seguinte. Nas duas ele estava presente, mas não parecia estar lá. No dia 6 de fevereiro de 2015, contudo, foi o oposto.

A MusiCares é uma organização ligada ao Grammy que ajuda músicos com dificuldades. É uma espécie de lar dos velhinhos para cantores e instrumentistas. Para conseguir angariar fundos, faz um jantar de gala anual, homenageia alguém e ganha com contribuições. Bob Dylan foi o escolhido do ano e recebeu uma festa temática completa.

Bob Dylan e Jimmy Carter

O evento teve a participação de pessoas emblemáticas, que cantaram canções de Dylan ao longo dos anos. Segundo Sheryl Crow, foi o próprio Bob que escolheu a música para cada intérprete.

Confira o set:
Leopard-Skin Pill-Box Hat – Beck
Shooting Star – Aaron Neville
Subterranean Homesick Blues – Alanis Morissettez
On A Night Like This – Los Lobos
Senor (Tales of Yankee Power) – Willie Nelson
Blind Willie McTell – Jackson Browne
Highway 61 Revisited – John Mellencamp
One More Cup of Coffee – Jack White
What Good Am I? – Tom Jones
I’ll Be Your Baby Tonight – Norah Jones
Million Miles – Derek Trucks and Susan Tedeschi
Pressing On – John Doe
Girl From the North County – Crosby, Stills & Nash
Standing in the Doorway – Bonnie Raitt
Boots of Spanish Leather – Sheryl Crow
Knockin’ On Heaven’s Door – Bruce Springsteen
Blowin’ in the Wind – Neil Young

Depois de cerca de duas horas de músicas e homenagens, o ex-presidente dos EUA (e amigo de Dylan desde a década de 70) subiu ao palco para chamar o grande homenageado.

Após receber o prêmio – mas estranhamente mal tocá-lo -, Bob Dylan pegou o calhamaço de papel que estava em sua mão e começou a ler. E aí está o oposto de suas últimas aparições do tipo: ele falou por 40 minutos. Um discurso pronto de mais de 25 mil caracteres!

Chocolate entregue durante o evento.

Começou agradecendo a todos, mas informando que as canções não chegaram até aqui sozinhas. Foi preciso a ajudade inúmeras pessoas. E passou a elencá-las: o produtor John Hammond, Peter, Paul & Mary, The Byrds, Jimi Hendrix, Nina Simone e, é claro, Joan Baez. Outras tantas foram enumeradas por Dylan pela importância na divulgação de sua obra.

Depois de olhar pra frente, Bob Dylan se dá ao luxo de olhar para trás – não apenas para o seu passado, mas para o passado do caminho que trilha, e persiste caminhar, há 50 anos. Falou da influência de grandes músicos como Staple Singers e Jerry Lee Lewis, destilou um veneno quase humilde para vários compositores e cantores que rejeitaram suas letras e canções.

Prestou doces homenagens a amigos como Kris Kristofferson, Willie Nelon e Johnny Cash. E, como faz desde suas primeiras conversas com jornalistas, confrontou os críticos. Questionou as críticas e o porquê delas serem aplicadas apenas a ele. Questionou a forma como sua obra é tratada. Foi raivoso, sem perder a sutileza do humor.

Teceu comentários verdadeiros de um manifesto: o fim da verdade em detrimento da habilidade inútil e do pseudo-talento. Descreveu suas canções como se estivesse em um workshop: elas não foram difíceis de compor, só é preciso viver.

Dylan deixou claro sua opinião sobre si mesmo: ele não inovou em nada e não revolucionou nada. Apenas seguiu o caminho que aprendeu com suas influências. Só manteve a rebeldia do rock’n’roll aliada à tradição das histórias folk. Só respeitou as raízes do blues enquanto experimentava apresentá-las à poesia. Só um detalhe: fez tudo isso através de uma porta inédita.

Infelizmente ainda não temos nem o áudio nem um vídeo na íntegra deste momento histórico do universo dylanesco. Aguardo com ansiedade e esperança.

Alguns links interessantes (em inglês):

9 pessoas que Dylan agradeceu

Vídeo com trecho do discurso

Fotos oficiais (do Grammy)

Discurso na íntegra

15 coisas que podemos refletir sobre Bob Dylan com seu discurso