No Direction Home, de Robert Shelton

Mesmo não admitindo, Robert Shelton mudaria o curso da história da música popular ao escrever sua critica sobre um garoto prodígio que vira no Gerde’s Folk City, um café localizado no Greenwich Village, bairro boêmio de New York e centro do “revival” do folk no final dos anos 50.

Publicado no New York Times no dia 29 de setembro de 1961 com o título “Bob Dylan: Um cantor de Folk com Estilo Distinto”, o artigo descreve Dylan como uma “cara nova na música folk” e “arrebentando de tanto talento”. Coincidentemente ou não, o lendário produtor John Hammond contrataria Bob para a Columbia no mês seguinte.

[É interessante notar que nessa época Bob Dylan ainda não era famoso por suas composições, mas por suas interpretações intensas e precisas. O primeiro álbum lançado por Dylan, em 1962, continha apenas duas canções próprias (Talkin’ New York e Song to Woody)].

Nessa época, Shelton e Bob se tornaram grandes amigos. Em um texto escrito por Shelton e publicado no The Dylan Companion, o jornalista relata que passava noites conversando com Bob, Suze Rotolo, Gil Turner e Mike Harrington. Robert também afirma que Dylan era o que tinha o maior sonho.

Com o consentimento de Dylan, Shelton passou a escrever uma biografia e foi um dos únicos a entrevistar os pais de Dylan, Suze Rotolo e sua então esposa, Sara Lowndes. A produção do livro durou 20 anos e foi lançada apenas em 1986. Contudo, a edição da época foi bastante alterada e Shelton foi pressionado para a atualizar a biografia, escrevendo sobre início dos anos 80.

Agora, pela primeira vez chega ao Brasil a versão traduzida desta importante biografia, lançada pela Larousse. Como disseram os atuais editores, Elizabeth Thomson (que também editou The Dylan Companion) e Patrick Humphries, a primeira publicação de No Direction Home marcou o 25º aniversário da celebrada crítica de Robert Shelton no New York Times. Esta nova edição coincide com o 50º aniversário do artigo e com o ano em que Dylan faz 70 anos.

Segundo Derek e Tracy Barker, na revista dylanesca ISIS nº155, a nova versão de No Direction Home aparenta ser uma “versão do diretor”, contendo capitulos que foram ignorados na primeira edição e com uma ordem mais próxima do projeto inicial de Shelton. Além dessas mudanças, Thomson e Humphries a atualizaram com uma cronologia das últimas décadas.

Mais do que uma biografia com importância histórica, No Direction Home une uma descrição precisa aliada a uma linguagem quase poética sobre Bob Dylan e sua obra.

Abaixo, um pequeno trecho do Prelúdio “Os tempos mudaram” (que fora incluído na nova versão):

Ao desdenhar do título de “poeta”, Dylan se protegeu das pessoas alheias à tradição do folk e da poesia popular, incapazes de perceber o talento artístico na forma como emprestava e remodelava a linguagem coloquial, que rejeitavam as possibilidades da literatura de jukebox. Dylan começou com a linguagem do povo do interior, que floresceu, transformando-se em linguagem urbana sofisticada. Seu uso determinado da sintaxe, do vocabulário e dos ritmos do discurso coloquial, seu uso da forma canção popular e a negação de que fosse um poeta, tudo isso retardou sua real aceitação como homem das letras. Por que Dylan é um poeta extraordinário? Posso destacar aqui a concisão memorável de suas formulações e aforismos, a habilidade de dizer diversas coisas simultaneamente, o uso audacioso de metáforas, símiles e símbolos, as imagens evocativas, o emprego sagaz de rimas e quase rimas, dos sons e cores das palavras, os contextos surpreendentes e as combinações de frases oportunas que tocam e perturbam o ouvinte, a flexibilidade da cadências musical dos versos. Para muitos, a arte de Dylan é uma expressão aural/oral que requer as nuances e a ênfase da canção. Uma vez conhecidas, suas letras ganham vida no papel, a música passa a ressoar no ouvido mental.

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