Resenha: The 30th Anniversary Concert Celebration

Agora que conhecemos alguns fatos da história de Bob Dylan nos anos 80 e 90, é impossível não sentir uma certa melancolia pelo tributo intitulado “The 30th Anniversary Concert Celebration” – ocorrido em 1992 e remasterizado para o lançamento recentemente pela Columbia nos formatos CD, DVD e Blu-Ray.

30th Anniversary Concert

Como disse em Crônicas, nos anos 80, após voltar a tocar músicas da fase pré-cristã, Dylan cogitou se aposentar. Estava perdido e não achava mais o ímpeto necessário para subir no palco. Apesar de apenas alguns bons momentos nos anos 80 – com destaque para o álbum Oh Mercy, de 89 – Bob não conseguiu o mesmo resultado com o disco sucessor, Under The Red Sky, no começo da década de 90. Foi também nessa época que recebeu do Grammy um prêmio pelo conjunto da obra. Para Dylan, a homenagem não passava de uma desistência da indústria fonográfica sobre uma nova produção relevante de sua parte.

Por sorte, podemos rever o concerto para parabenizar os trinta anos do lançamento do disco de estreia de Dylan com mais tranquilidade do que possivelmente Bob o presenciou. Sabemos que cinco anos após este show, Bob Dylan lançaria Time Out Of Mind e reconquistaria público e crítica.

Tributo inédito

Knockin-on-Heavens-Door

Harvey Goldsmith, promotor famoso por organizar vários concertos beneficentes, afirma já no início do vídeo: “É a primeira vez que um evento ocorre por causa de um artista. Normalmente eventos acontecem por conta de um acontecimento”.

Sem uma causa esperançosa, o Bobfest, como apelidou Neil Young, juntou vários artistas, iniciantes ou famosos, para homenagear Dylan. Alguns deles: Stevie Wonder, Lou Reed, Tracy Chapman, Johnny Cash, Willie Nelson, Eric Clapton, Eddie Vedder, George Harrison e muitos outros.

A partir dessa escalação, é possível entender parte da influência dylanesca na música popular. Stevie Wonder diz que cantou “Blowin’ In The Wind” aos 15 anos; Eric Clapton comenta que Dylan era o único que ouvia fora da redoma “músico de blues negro e velho”; Kris Kristofferson analisa a influência que a parceria entre Bob e Johnny Cash teve no futuro do country. Só nesses três exemplos, temos os pilares da música americana sendo influenciados pelo mesmo homem: R&B, blues e country.

Atemporalidade dylanesca

Apesar da nostalgia do evento, três artistas deixam claro o potencial que ainda existe em Dylan e cantam músicas recentes: Lou Reed intepreta “Foot Of Pride”, gravada em 1983, mas só lançada em 1991 no Bootleg Series Vol. 1-3; The O’Jays fizeram uma bela releitura de “Emotionally Yours”, do disco Empire Burlesque (1985); e Willie Nelson apresenta “What Was It You Wanted”, do renomado Oh Mercy (1989).

A canção escolhida por Willie é tão irônica quanto sarcástica. Dylan reflete sobre os fãs, a indústria fonográfica e as cobranças por obras-primas. Na música, contudo, deixa claro seu ímpeto de sobreviver a isso tudo e dar a volta por cima – como fez.

Ninguém canta Dylan como Dylan

BD-30th

Então chega a vez do homenageado aparecer. Ele entra quieto, acanhado como de costume, quase envergonhado por toda a festividade ao homem que sempre flertou com a reclusão. Já de início presenteia a todos com suas ações simbólicas: a primeira música que toca é sua homenagem ao ícone Woody Guthrie e uma de suas primeiras obras. “Song To Woody” pode significar muita coisa: é a preferência de Dylan por trilhar o caminho marginal; é a necessidade de Bob mudar o foco – ele não é único, apenas parte de uma tradição de cronistas populares.

Infelizmente, por razões técnicas, a música não entrou no lançamento. Mas é possível ouví-la aqui:

Logo depois, Bob Dylan emenda com sua obra mais virtuosa: “It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding)”. Sem precisar da letra nas TVs a frente do palco, Dylan cede à homenagem e vomita sua verborragia. Deixa claro: não faço questão do tributo, mas reconheço meu talento.

A cúpula de artistas que tocaram ao longo do show – Roger McGuinn, Tom Petty, Neil Young, Eric Clapton e George Harrison – volta ao palco para tocar “My Back Pages”, ironicamente a canção que enaltece as transformações de um artista (e não seu passado). Bob então vê todos os participantes retornarem para entoar o réquiem dylanesco “Knockin’ On Heaven’s Door”. Dylan, porém, parece alterar o significado principal da música e renegar o aspecto mórbido. A insígnia, agora, é sua própria lápide – “eu não posso mais usá-la”.

Tributo terminado, Bob Dylan agradece com sorrisos tímidos e uma aparente ansiedade de fuga. Depois do palco esvaziado, Bob resolve voltar para cantar, novamente sozinho, uma canção que nos faz pensar na sua intenção. “Girl From the North Country” é mais do que uma música para um antigo amor. É a necessidade de voltar às raízes, ao norte de onde saiu, e ver se tudo está do mesmo jeito. Ele sabe que às vezes é preciso olhar para trás – não para reviver e sim para avaliar o percurso.

Como veríamos, Bob Dylan de fato olharia para o passado, mas para muito além de sua vida. Gravaria dois álbuns só de covers antigas e depois faria história com o aclamado Time Out Of Mind. Dylan é um meta-profeta.

Bob Dylan Revisited

Influenciado pelo que ocorreu na década seguinte, é possível aceitar “The 30th Anniversary Concert Celebration” como uma homenagem sincera de um artista que nunca morreu. O registro também tem seu ponto engajado, ao manter a tensão existente entre Sinead O’Connor e o público. Sobre o ocorrido (saiba mais aqui), é preciso de uma análise: apesar da plateia vaiar a cantora por sua crítica a igreja católica, Sinead escolheu uma música da fase cristã de Dylan, “I Believe In You”. Ela não é contra a fé, como muitos talvez imaginavam.

No Brasil, a Sony informou que o CD e DVD serão lançados em maio.

18 thoughts on “Resenha: The 30th Anniversary Concert Celebration

  1. Dylanesco, meu camarada, é o seguinte: o tal de de Harvey Goldsmith estava completamente por fora.
    O primeiro evento, se é que foi o primeiro, em torno de um artista, foi com o Woody Guthrie em 1967, que se repetiu em 1970. Certo?

  2. Ainda tem um show, com muitos artistas, feito em homenagem ao John Lennon, em 1985. Portanto, antes de Bob Dylan em 1992.
    O primeiro do Woody Guthrie, corrijo o meu erro, foi em 1968, meses depois da sua morte em 1967, organizado pelo Harold Leventhal, seu empresário.
    Dylanesco, meu camarada, tenho que discordar, mas não tenho prazer nenhum nisso.
    “It’s Alright, Ma”, ô, Dylanesco, não é a “obra mais virtuosa” do Bob Dylan, longe disso. É uma música cansativa, monótona, pelo menos na versão de estúdio. Outras versões ao vivo soam melhores, menos cansativas, como em “Before The Flood”, por exemplo.
    Ué! Não é consenso que “a obra mais virtuosa” de Bob Dylan seja “Like a Rolling Stone”?
    Na maioria das vezes as pessoas veem “coisas” onde elas não existem.

    1. Nos dois casos que você mencionou, Lennon e Guthrie, suas mortes poderiam ser consideradas os acontecimentos que Harvey diz, não acha?

      Obrigado pelo comentário e sobre sua opinião sobre a música mais virtuosa, Luiz.

      Abração

  3. Há interpretações muito bacanas nesse evento, como Tracy Chapman- “The times They Are a-changing”, Eric Clapton – “Love Minus Zero”, Tom Petty, se não me engano com “License to Kill”, Lou Reed, Johnny Cash, George Harrison e muitos outros (que time, hein?). Foi muito legal, mesmo. Lembro-me que eu assisti à transmissão pela TV, não sei se Globo ou Bandeirantes. Disseram que era ao vivo, mas cortou grande parte das apresentações. No final Dylan cantando “Song to Woody” e “It’s Alright Ma, I’m Only Bleeding” foi arrasador. Estou ansioso para adquirir o show completo. Valeu a dica.

    1. Falae, Jair!

      Eu particularmente gosto muito da versão do primeiro disco. Sei lá, acho que me atrai a auto-confiança de Dylan quando ele não tinha nem meia dúzia de músicas compostas. É uma certeza do que caminho que trilharia… como se conseguisse ver o próprio futuro.

      Mas a versão com o George tb é muito boa!

      Abração!

  4. Sinceramente, Dylanesco?
    Não, não acho, não.
    A ênfase do senhor Harvey Goldsmith se prende ao fato de o evento ter girado em torno de um artista, não de um acontecimento, nas palavras dele, e isso já tinha acontecido antes, como citei, e talvez mais vezes, não sei.
    E qual a diferença, em se tratando de importância ou qualidade, se o artista está vivo ou morto?
    Uma obra não é melhor pelo fato de o artista estar vivo, e vice-versa.
    A homenagem sim, é muitíssimo mais importante se o artista está vivo, porque ele vai ver, receber, saborear. A homenagem, muito bem entendido, não a qualidade em si.
    E também não acho que a indústria fonográfica estava desistindo do Bob Dylan. Se ele realmente pensou isso, bem, é um raciocínio um tanto quanto infantil, medíocre.
    A tal da indústria fonográfica nunca deu bola para o Bob Dylan, a verdade é essa.
    Acredito que ele estava se referindo a dinheiro, o que é o meu caso quando falo de “indústria fonográfica”.
    E, em se tratando de dinheiro, como é que o Bob Dylan vai sair se nunca entrou? Nunca entrou mas gosta bastante de dinheiro.
    Bob Dylan nunca foi bom vendedor de discos, nunca representou absolutamente nada para a tal da indústria fonográfica.
    Vendedor de discos, Dylanesco, é Michael Jackson, Elvis Presley, etc.

  5. Dylanesco,

    Queria saber sua opinião, e de quem se interessar, sobre duas ausências quanto a este show. A primeira é física: Joan Baez não compareceu, alguém sabe por que? A segunda é do DVD, a versão de Sophie Hawkins para I want you não entrou na edição, o que me frustrou bastante,pois é a minha canção preferida e a versão dela é muito boa.
    Abraços!

  6. Para o Anselmo

    A versão da tal de Sophie Hawkins, que até aquela data, 1992, eu nunca tinha ouvido falar, é de doer de tão ruim, horrível.
    “I Want You” é um obra-prima, e alguém deveria ter impedido essa moça de tê-la cantado.
    Desculpe, Anselmo, estou sendo sincero, e talvez não se trate nem de opinião, mas da mais pura realidade, verdade.
    Quanto a Joan Baez, sei lá por que ela não, pode ser que, até hoje, ela esteja querendo namorar o Bob Dylan.

    1. Caro Luiz,

      Caro Luiz,

      É opinião, sim! E não há como mudar isso.
      Para mim, por exemplo, a versão é boa, calcada aliás em versões que o Dylan andava fazendo (compare com o que ele cantaria em Supper Club).
      Agora, seria um crime se tivesse sido excluída do DVD por quaisquer razões que não fossem técnicas.
      Quanto à Joan, continuarei investigando…

      Abraço!

      1. Olha, Anselmo,

        pelo que eu li na biografia do Howard Sounes, houve um grande desentendimento entre Dylan e Baez numa turnê dylanesca de 1984. Talvez em 1992 não houvesse clima. Outra hipótese é que o CAST daquele show foi selecionado pela própria SONY MUSIC, o que quase elimina a possibilidade de convite a Joan Baez, uma vez que seria difícil uma aprovação por parte dela, por questões ideológicas. Sabe-se que, nos anos 60, ao firmar contrato com Dylan, a Sony, ou CBS, quis contratar Joan Baez, que recusou por questões ideológicas, por ser anti-capitalista(?). Depois precisou ficar mendigando participações em shows de Dylan, e ainda o condenando por não participar ativamente de suas apresentações. O cavalo passou encilhado e Baez não montou. É pena que exista uma eterna mágoa dela para com ele.

  7. Outra versão de doer de ruim foi a da Tracy Chapman. Escalaram mal nesse caso também.
    The Times They are a Changin é uma música muito boa, e essa moça não deveria, ou melhor, não poderia ficar com ela.

  8. Para o Janim

    Não é nada disso, Janim, a senhora em questão não foi porque tinha um show no mesmo dia.
    Eu também li essa biografia do Howard Sounes, mas não existe mágoa entre eles, não.
    Questões ideológicas? Que questões ideológicas? Questões ideológicas em 1992 do século passado?
    Ô, ô, tenha dó!

    1. Olá, Luiz. Obrigado pela informação sobre a Joan Baez. Acho estranho algum artista trocar um show daqueles por outra apresentação, já que deve ter sido avisada com antecedência, mas é uma escolha pessoal. Quanto às questões ideológicas, é o que mais cresce no mundo, o radicalismo não morre nunca, assim como a mágoa, a eterna mágoa, como diria o poeta Augusto dos Anjos. Um abraço.

      1. Caros Janim e Luiz (e Pedro),

        Tive o privilégio (pelo menos eu achei ser um privilégio) de assistir a apresentação de Joan Baez em São Paulo em Abril. Fiquei apaixonado por ela! Fui então ler a sua autobiografia (And a voice to sing with), escrita quando ela tinha 45 anos mais ou menos. Tenho receio de comentar sobre o relacionamento entre ela e Bob porque fica parecendo coisa de fofoca, que não tem a ver exatamente com a qualidade do trabalho artístico de ambos, mas lembro-me da participação dela no documentário do Scorcese (No direction home) donde concluímos que, mais recentemente eles parecem estar em bons termos. Se era assim em 1992, ainda não sei, pois parece ter havido idas e vindas nesse relacionamento (no livro dela me dei conta de como ela pegou pesado com Bob por ele ter “abandonado” a causa, músicas como For Bob e Diamonds and Rust – que ela cantou em São Paulo- dão uma medida disso).
        Agora, sobre o fato dela ter recusado o contrato com a Columbia por ideologia, é algo a ser respeitado, pois ela se mantém “na luta” até hoje (testemunhamos isso também no show de São Paulo)! Não acho que ela tenha do que se arrepender por isso.
        Abraços!

        1. Concordo plenamente, Anselmo, que ela não deve se arrepender mesmo. É ótimo que eles tenham esquecido os problemas. Gosto muito dos dois. Não confundo artista com a obra. A vida particular deles é uma questão pessoal. Mencionei as posições firmes da Joan Baez só a título de informação. Ela tem que assumir a postura mesmo, mas sem ficar reclamando como ela fazia antes. Ela escolheu seu caminho e Dylan, o dele. Continuarei curtindo as músicas dos dois, que é muito boa.

          Valeu a dica da versão de “Song to Woody” das gravações com o George Harrison. Não conhecia e achei muito legal.

          Um abraço.

        2. Corrigindo a resposta anterior, Anselmo, eu me enganei quanto à dica da música “Song to Woody”, que foi do Jair. O que importa é que a versão é ótima.

          Um abraço.

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