Bob Dylan ganha “biografia filosófica”

Bob Dylan - A liberdade que canta

Que a arte de Bob Dylan é complexa e dialoga com vários pensamentos, contextos e obras não é uma grande novidade. Essa é uma das razões que o levaram a ganhar o Nobel de Literatura e a ser considerado o porta-voz da luta pelos Direitos Humanos nos anos 60 – apenas para citar duas referências óbvias.

Escrito pelo filósofo Daniel Lins e recém-lançado pela Editora Ricochete, “Bob Dylan, a liberdade que canta” foca na relação da trajetória do artista com obras de Deleuze e Nietzsche, além de rever o caminho trilhado por Dylan através de referências como Rimbaud, Baudelaire, Whitman e obviamente os grandes autores da literatura beat, como Kerouac e Ginsberg.

Olhando o percurso dylanesco, Lins observa correlações com obras aparentemente distintas, mas conectadas com uma mesma visão. A ideia do livro não é indicar apenas as referências citadas por Dylan (principalmente em Crônicas, Vol.1), mas mostrar o alcance do seu pensamento e a consonância com grandes pensadores da história.

Por conta de pormenores pouco relevantes e na maneira como é analisada, a leitura de “Bob Dylan – A liberdade que canta” às vezes se arrasta. Ainda assim é interessante ver as relações que Lins faz nesse ensaio de quase 600 páginas.

Escrever um livro sobre Dylan nesses moldes de diálogo não é inédito. Lembro de cinco obras com vertentes distinas: “Out of the Dark Woods”, do Dr. A.T. Bradford se propõe a mostrar a relação das canções de Bob Dylan com o Cristianismo; “Bob Dylan – Prophet, Mystic, Poet”, de Seth Rogovoy, aplica o mesmo formato com foco no Judaísmo; em “Dylan’s Visions of Sin”, Cristopher Ricks analisa a maneira como Bob Dylan trabalha os sete pecados capitais; “Light Come Shining”, de Andrew McCarron, propõe a montar um virtuoso perfil psicanálitico de Bob Dylan e seus “gatilhos” em momentos cruciais na carreira; por último há “Bob Dylan and Philosophy”, editado por Peter Vernezze e Carl J. Porter, que compila diversos textos que discutem o universo dylanesco a conceitos filosóficos como liberdade, moral, verdade e autores como o já citado Nietzsche.

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Mas isso não descredita “Bob Dylan – A liberdade que canta”. O livro de Daniel Lins é interessante por estabelecer esses diálogos num âmbito mais denso. Também é interessante por trazer algumas referências brasileiras. É uma ótima opção para quem não tem tanta intimidade com livros em inglês.

Não concordo com tudo o que Lins escreve e acho que muitas vezes ele usa como uma verdade frases de Dylan que possuem um contexto mais complexo e multifacetado. Principalmente nas entrevistas dos anos 60, é preciso ter em mente a relação ácida que ele tinha com a imprensa – que não entendia a a intenção de Dylan, aproximando a linguagem literária com a música. O mesmo pode ser dito sobre a Crônicas Vol.1, uma “pseudo-autobiografia”.

(Também não concordo com tudo o que ele diz. No vídeo abaixo, ele diz que Bob Dylan deveria se aposentar. Discordo completamente, mas não vou me alongar a respeito).

Ainda assim é uma leitura que instiga à reflexão ao mesmo tempo que ilustra a riqueza e complexidade da obra dylanesca ao longo dos anos.

Para conhecer um pouco sobre a visão de Daniel Lins, aqui está um bate-papo dele com Marcia Tiburi em que falam sobre Dylan, Deleuze e muitos conceitos filosóficos do rock.

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