A edição mais recente da revista Rolling Stone americana traz alguns detalhes sobre um lote de itens que pertenceu a Tony Glover e que serão leiloados em breve pela sua família, após a morte do músico e jornalista, através da RR Auction. Dentre os itens, destacam-se cartas e fitas enviadas por Bob Dylan, que o conheceu no início dos anos 1960 em Minneapolis e manteve contato por décadas.
Já havia a informação que em 1971 Tony Glover entrevistou Bob Dylan para um projeto que não foi para a frente, mas não tínhamos muito mais detalhes a respeito até o momento. Pela primeira vez, a Rolling Stone traz alguns trechos das sessões de conversa ocorridas entre 1969 e 1971.
Abaixo, alguns destaques da reportagem:
1- Shalala
Em uma carta de 1964, Bob Dylan comenta sobre a música “Shala la la”, de Manfred Mann, é dizendo ser “linda pra caralho” – talvez já marinando a ideia de juntar o folk com o rock.
2- Zimmerman x Dylan
Sobre a decisão de mudar seu sobrenome de Zimmerman para Dylan, ele afirma que isso lhe deu mais liberdade.
“Isso me permitiu entrar no personagem baseado em Woody Guthrie com mais convicção. E eu não precisaria ser lembrado de coisas que eu não queria que me lembrassem naquela época. Eu tinha que ser livre o suficiente para aprender a música, para ser livre o suficiente para aprender técnica”.
3- Lennon x Harrison
Apesar de décadas depois fazer uma canção em homenagem ao artista, Bob diz ter vergonha das aparições de Lennon e Yoko na época, quando ambos foram ao Dick Cavett show fingindo ter a receita de LSD para a paz mundial. Ele também dá de ombros quando lembra da frase “I don’t believe in Zimmerman”, da música “God”.
Por outro lado, ele demonstra muito respeito por George Harrison e sua atuação em Bangladesh, com um festival em que Dylan chegou a participar com belas versões, em uma rara aparição na época. Para Bob, só George conseguiria fazer todos prestarem atenção em Ravi Shankar. Lennon não conseguiria.
4- Bastidores de “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”
Dylan admite que a canção foi uma quebra por conta da sua forma, pela sua cadência. Para ele, a “da-da-da, da-da-da, da-da-da” era hipnotizante, mas servia muito bem apenas no papel. Seria, e foi, um trabalho gigantesco lembrar de todos os versos e sua história. Dylan admite que o prazer estava no processo de criação do que se tornaria uma canção – e uma canção tocada inúmeras vezes ao longo dos anos.
5- John Wesley Harding x Nashville Skyline
Assim como “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”, as músicas do disco John Wesley Harding também nasceram como poemas, tendo suas melodias vindas posteriormente. O contrário aconteceu com as canções de Nashville Skyline, com as melodias vindas primeiro.
“Se você isolasse as palavras por um minuto e só pensasse no som da voz, o som da música e do vocal (…), o som seria basicamente o que as palavras são. Um monte de coisas sonhadoras, agradáveis, prazerosas, um tipo de música relaxante, eu imagino”.
6- “Like a Rolling Stone”, a vingança generalizada
Glover tentou tirar de Dylan o principal alvo da música, mas Dylan respondeu rindo com um cenário mais amplo:
“Sabe, é quando você fica bravo ao entrar numa loja e pede uma chave de fenda e você fica esperando por uma hora. E depois você vai buscar algo para comer e olha em seu pudim e vê uma poça de merda. Daí você vai ao cinema e pisa em um pouco de baba e depois se senta em um pouco de baba. Você sai disso e vai dar uma volta no carro, e ele quebra. Com quem você está bravo? Não é nenhum tipo específico de pessoa”.
7- Blonde On Blonde é audição recorrente
Apesar de admitir que não tem uma boa relação com sua discografia, ele admite que Blonde on Blonde é um ótimo disco e que ele ouve com certa frequência. “E eu sei que não é possível superá-lo”.
8- As vaias de Newport Folk Festival
Com uma amizade em mãos, Tony Glover pode entrar em detalhes mais pessoais. Sobre o fatídico episódio das vaias no show de 1965 no Newport Folk Festival, Tony pergunta se Bob estava chorando.
“Eu não estava chorando. Pete Seeger estava. Então eu voltei ao palco e toquei sozinho ‘Mr. Tambourine Man’ e ‘Baby Blue’ porque era o que as pessoas queriam ouvir. Eles eram como uns bebezinhos. Eles queriam ouvir isso e era só o que eles queriam ouvir. Então eu fui e cantei para eles. Na época eu apenas sabia que eles eram um bando de cuzões e pensei: “Ah, foda-se. Se é só isso que vocês querem eu canto para vocês dormirem”.
9- A aceitação da relevância dylanesca
“Nós ouvimos rádio hoje em dia – e há tanta música que foi influenciada por mim. A maior parte dela, você sabe, até mesmo os Beatles. Mas para um cara realmente dizer: ‘Bem, eu mudei a música popular’ [risos], cara, que afirmação infernal é essa? Na verdade posso dizer isso, cara, e isso me deixa louco. … Todas essas pessoas estão fazendo, em uma só fase, o que Bob Dylan fazia naquela época, sabe?”
Então Glover pergunta para seu velho amigo se ele sentiu orgulho por mudar a música popular, e dylanescamente:
“Sim, de verdade, eu realmente tenho um certo orgulho… por um lado. Por outro não, não significa absolutamente nada – claro que não.”