Resoluções de Ano Novo com Bob Dylan

  1. Passar mais tempo com a família e amigos;
  2. Fazer mais exercícios;
  3. Perder peso;
  4. Parar de fumar;
  5. Curtir mais a vida (“eu vou tentar esta”);
  6. Parar de beber;
  7. Sair do “vermelho”;
  8. Aprender algo novo (“essa é fácil se você continuar ouvindo o Theme Time Radio Hour”);
  9. Ajudar outros e voluntariar-se;
  10. Organizar-se.

E aqui está as resoluções de ano novo de Woody Guthrie:

Um feliz ano novo a todos!

9 coisas que aprendemos sobre Bob Dylan com as fitas de Tony Glover

A edição mais recente da revista Rolling Stone americana traz alguns detalhes sobre um lote de itens que pertenceu a Tony Glover e que serão leiloados em breve pela sua família, após a morte do músico e jornalista, através da RR Auction. Dentre os itens, destacam-se cartas e fitas enviadas por Bob Dylan, que o conheceu no início dos anos 1960 em Minneapolis e manteve contato por décadas.

Já havia a informação que em 1971 Tony Glover entrevistou Bob Dylan para um projeto que não foi para a frente, mas não tínhamos muito mais detalhes a respeito até o momento. Pela primeira vez, a Rolling Stone traz alguns trechos das sessões de conversa ocorridas entre 1969 e 1971.

Abaixo, alguns destaques da reportagem:

1- Shalala

Em uma carta de 1964, Bob Dylan comenta sobre a música “Shala la la”, de Manfred Mann, é dizendo ser “linda pra caralho” – talvez já marinando a ideia de juntar o folk com o rock.

2- Zimmerman x Dylan

Sobre a decisão de mudar seu sobrenome de Zimmerman para Dylan, ele afirma que isso lhe deu mais liberdade.

“Isso me permitiu entrar no personagem baseado em Woody Guthrie com mais convicção. E eu não precisaria ser lembrado de coisas que eu não queria que me lembrassem naquela época. Eu tinha que ser livre o suficiente para aprender a música, para ser livre o suficiente para aprender técnica”.

3- Lennon x Harrison

Apesar de décadas depois fazer uma canção em homenagem ao artista, Bob diz ter vergonha das aparições de Lennon e Yoko na época, quando ambos foram ao Dick Cavett show fingindo ter a receita de LSD para a paz mundial. Ele também dá de ombros quando lembra da frase “I don’t believe in Zimmerman”, da música “God”.

Por outro lado, ele demonstra muito respeito por George Harrison e sua atuação em Bangladesh, com um festival em que Dylan chegou a participar com belas versões, em uma rara aparição na época. Para Bob, só George conseguiria fazer todos prestarem atenção em Ravi Shankar. Lennon não conseguiria.

4- Bastidores de “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”

Dylan admite que a canção foi uma quebra por conta da sua forma, pela sua cadência. Para ele, a “da-da-da, da-da-da, da-da-da” era hipnotizante, mas servia muito bem apenas no papel. Seria, e foi, um trabalho gigantesco lembrar de todos os versos e sua história. Dylan admite que o prazer estava no processo de criação do que se tornaria uma canção – e uma canção tocada inúmeras vezes ao longo dos anos.

5- John Wesley Harding x Nashville Skyline

Assim como “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”, as músicas do disco John Wesley Harding também nasceram como poemas, tendo suas melodias vindas posteriormente. O contrário aconteceu com as canções de Nashville Skyline, com as melodias vindas primeiro.

“Se você isolasse as palavras por um minuto e só pensasse no som da voz, o som da música e do vocal (…), o som seria basicamente o que as palavras são. Um monte de coisas sonhadoras, agradáveis, prazerosas, um tipo de música relaxante, eu imagino”.

6- “Like a Rolling Stone”, a vingança generalizada

Glover tentou tirar de Dylan o principal alvo da música, mas Dylan respondeu rindo com um cenário mais amplo:

“Sabe, é quando você fica bravo ao entrar numa loja e pede uma chave de fenda e você fica esperando por uma hora. E depois você vai buscar algo para comer e olha em seu pudim e vê uma poça de merda. Daí você vai ao cinema e pisa em um pouco de baba e depois se senta em um pouco de baba. Você sai disso e vai dar uma volta no carro, e ele quebra. Com quem você está bravo? Não é nenhum tipo específico de pessoa”.

7- Blonde On Blonde é audição recorrente

Apesar de admitir que não tem uma boa relação com sua discografia, ele admite que Blonde on Blonde é um ótimo disco e que ele ouve com certa frequência. “E eu sei que não é possível superá-lo”.

8- As vaias de Newport Folk Festival

Com uma amizade em mãos, Tony Glover pode entrar em detalhes mais pessoais. Sobre o fatídico episódio das vaias no show de 1965 no Newport Folk Festival, Tony pergunta se Bob estava chorando.

“Eu não estava chorando. Pete Seeger estava. Então eu voltei ao palco e toquei sozinho ‘Mr. Tambourine Man’ e ‘Baby Blue’ porque era o que as pessoas queriam ouvir. Eles eram como uns bebezinhos. Eles queriam ouvir isso e era só o que eles queriam ouvir. Então eu fui e cantei para eles. Na época eu apenas sabia que eles eram um bando de cuzões e pensei: “Ah, foda-se. Se é só isso que vocês querem eu canto para vocês dormirem”.

9- A aceitação da relevância dylanesca

“Nós ouvimos rádio hoje em dia – e há tanta música que foi influenciada por mim. A maior parte dela, você sabe, até mesmo os Beatles. Mas para um cara realmente dizer: ‘Bem, eu mudei a música popular’ [risos], cara, que afirmação infernal é essa? Na verdade posso dizer isso, cara, e isso me deixa louco. … Todas essas pessoas estão fazendo, em uma só fase, o que Bob Dylan fazia naquela época, sabe?”

Então Glover pergunta para seu velho amigo se ele sentiu orgulho por mudar a música popular, e dylanescamente:

“Sim, de verdade, eu realmente tenho um certo orgulho… por um lado. Por outro não, não significa absolutamente nada – claro que não.”

Resenha: Rolling Thunder Revue, o filme

41 anos depois de dirigir “The Last Waltz” e 14 anos depois de “No Direction Home”, Martin Scorsese volta ao universo dylanesco para abordar a famosa turnê Rolling Thunder Revue, um circo cigano criado por Bob Dylan e com participação de inúmeros artistas, como Joan Baez, Jack Elliot, Roger McGuinn e muitos outros (escrevi aqui um artigo detalhado sobre este período).

“Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story”, lançado no dia 12 de junho pela Netflix, é mais um conjunto de anedotas do que um registro documental. Talvez por conta da gigantesca empresa de streaming, Scorsese optou por uma obra mais divertida e próxima do entretenimento do que um documentário que os fãs mais radicais gostariam. Ainda assim, é um filme intrigante, interessante, rico e complexo.

Segundo a revista Rolling Stone, a ideia de uma nova parceria com Scorsese surgiu logo depois do sucesso de “No Direction Home”. Ao pensarem no Rolling Thunder Revue e no grande materia que se sabia que fora registrado em vídeo, a equipe de Dylan revirou todo o acervo, mas não encontrou os negativos das filmagens. O único registro foi a versão de trabalho, com inúmeros remendos para fazer a edição. Então a equipe de Scorsese teve que restaurar quadro a quadro até ficar com uma qualidade interessante para o documentário.

Desde 2009 a equipe de Dylan recolhe entrevistas com os participantes da turnê, mas pouco deste registro foi usado para o documentário. Bob foi entrevistado há dois anos pelo seu empresário, Jeff Rosen, sem a presença de Scorsese (assim como ocorrido em “No Direction Home”).

O resultado é envolvente, principalmente nas mãos de Scorsese. Suas colagens de cenas, coreografando imagens, falas e canções, criam uma narrativa elegante e poética. Já de início, Bob Dylan deixa claro seu conhecido desdém pela nostalgia – uma manobra que cai em contradição quando ele lembra de vários detalhes ao longo do filme.

As cenas dos shows mostram um Bob Dylan em um de seus ápices. Com o rosto maquiado, gesticula e dá ênfase com o corpo às palavras e dinâmicas da música. Sua interação com os outros integrantes da banda é intensa, com olhares e brincadeiras. Dividindo o palco com outros artistas, Bob Dylan parece solto, leve e livre do fardo que é ser Bob Dylan.

Os fãs mais detalhistas sentirão falta de passagens históricas importantes. “Renaldo & Clara”, o filme megalomaníaco meio documentário e meio show, idealizado por Dylan, não ganha qualquer menção explícita, sendo apenas sugerido através da parceria entre o dramaturgo convidado Sam Shepard e um cineasta de nome Stefan Van Dorp. Mas é aí que começa a ficar interessante…

(Se você não gosta de spoilers, deixe para terminar de ler depois de assistir)

Renaldo & Clara revisited?

Scorsese optou não por citar “Renaldo & Clara”, mas fazer sua própria versão. Alguns dos personagens retratados por ele nunca existiram, mas dão tempero e endossam o clima dos bastidores da turnê – que como bem registrou Ratso em seu livro, usavam o tempo livre entre os shows com filmagens semi-improvisadas e semi-roteirizadas.

Aqui estão as ficções criadas para o filme:

  1. Stefan von Dorp nunca existiu, o ator é Martin von Haselberg, marido de Betty Midler
  2. Sharon Stone não foi ao show acompanhada da mãe e nem teve um affair com Dylan
  3. Jim Gianopulos não foi promotor (ele é o atual CEO da Paramount Pictures)
  4. Dylan não se inspirou no Kiss para pintar a cara (e Scarlet não era namorada de Paul Stanley)
  5. Allen Ginsberg e Peter Orlovsky não foram “rebaixados” a carregadores de caixa
  6. O deputado Jack Tanner não existe. Interpretado por Michael Murphy, é inspirado no mockumentary Tanne ‘88

Neste momento, a frase de Dylan no início do filme se torna a espinha dorsal: “a vida não é sobre descobrir-se. A vida é sobre inventar-se”.

Também há pistas ao longo do filme. Do termo “conjurar” no início, aos truques de mágica e, principalmente, a outra frase de Dylan, que fala sobre usar máscara e dizer a verdade.

Conclusão

O filme parece agradar a todos: para os fanáticos, imagens inéditas e de alta qualidade dos shows, além de uma entrevista recente de Bob Dylan; para os “netflixers”, um pseudo-documentário que entretém e explica parte da mística em torno do cantor; e ao próprio Dylan, pois Scorsese parece presenteá-lo com uma versão melhorada, e imediatamente bem-sucedida, do que o longuíssimo-metragem que Bob fez nos anos 70 (Renaldo & Clara passa das quatro horas de duração).

Nos créditos, Scorsese optou por uma lista enorme de todos os anos de turnê do Bob Dylan, de 1975 a 2018. É como se endossasse a ideia de Dylan sobre ser apenas mais uma turnê, num longínquo passado.

Todos ganham, principalmente nós dylanescos.