Nunca imaginaria, láaa em 2010 – quando comecei um blog sobre Bob Dylan para compartilhar meus devaneios e instigar minha curiosidade no universo dylanesco – que hoje eu estaria aqui divulgando meu curso sobre Bob Dylan no Museu de Imagem e Som de São Paulo, o MIS-SP.
Em 2024 expandi meu projeto pessoal para Podcast Dylanesco, tentando tangibilizar em episódios curtos as diversas razões, fases e causos, que me fazem admirar a obra de Bob Dylan. Uma das minhas frases favoritas dele é sobre estar sempre em construção: “aquele que não está ocupado nascendo, está ocupado morrendo”.
E agora, em Maio de 2025, nasce meu curso em parceria com o MIS-SP.
Intitulado Um completo desconhecido: Bob Dylan, o folk e o rock dos anos 1960, o foco é abordar o mesmo período do filme recém-lançado, mas trazendo uma abordagem mais factual e analítica, mostrando como foi esses primeiros anos de Bob Dylan em New York, sua relação e contribuição no folk e sua guinada, nem tãaao surpreendente, ao rock dos anos 60.
O curso é presencial e será às terças e quintas, das 19h às 21, entre os dias 20/05 e 29/05.
“Nas artes, como na vida, tudo é possível desde que se baseie no amor” – Marc Chagall
“O maior objetivo da arte é inspirar. O que mais você pode fazer? O que mais você pode fazer por alguém a não ser inspirar?” – Bob Dylan
Mais um ciclo ao redor do Sol de Bob Dylan. E mais um ano em que o músico sobe no palco, trabalha em arranjos e variações líricas e explora canções que aprecia.
Recentemente vi um relato do Pete Townshend sobre uma conversa que ele teve com Dylan durante o Desert Trip, lá em 2016. Ao questionar Bob sobre porque faz tantos shows, recebeu como resposta:
“Sou um cantor folk. Um cantor folk é tão bom quanto sua memória, e minha memória está acabando”.
Para além da perda de memória de fato, que ataca a qualquer um com a idade, aqui há outro ponto importante: o propósito inerente de si. Bob Dylan entende que sua missão no mundo é ser um cantor folk. É levar suas memórias – e as inúmeras variações que faz delas – para quem quiser apreciar.
Ainda assim, a questão de Pete se mantém: porque fazer tantos shows? Porque insistir em cruzar os continentes indefinidamente? Porque lançar discos e mais discos de canções inéditas?
Talvez porque memórias não são as histórias que ocorreram… são as histórias que imaginamos. E recontamos. E recriamos.
E a partir desse relato de Pete, só podemos imaginar o que se passou nos quase dois anos de reclusão durante a pandemia. Sem poder alimentar e disseminar suas memórias. O que sabemos é que a retomada se deu num anúncio de turnê mundial que durará três anos.
A insistência de Dylan em se colocar em cima do palco em turnês extensas e mundiais é algo incrível – principalmente para alguém aos 82 anos. Vai além de entender que essa é a vida do músico ou que seja simplesmente algo que lhe dar prazer. É os dois, mas ultrapassa isso.
Subir ao palco é uma forma de enxergar a vida. De transmitir seu amor pela Música. Uma espécie de resiliência dylanesca cuja forma original é à frente do microfone com um público o testemunhando. E seja como for, com pandemia, idade, lapsos de memória e o que mais a vida tentar deformá-lo, ele voltará à jeito original com a mesma naturalidade que uma espuma retorna ao seu formato.
É também a naturalidade de como seu amor pela Música comove as pessoas. A adversidade da idade não o impede de sempre retomar a sua forma original, em cima do palco. Não é um agrado, ou apenas um ganha-pão, mas um incentivo a explorar todo seu potencial como ser humano. Para Dylan é fazer letras e músicas – ou esculturas de metal, pinturas diversas e tantas outras ações. E ao subir no palco, dia após dia, ele te inspira e te instiga: o que você vai fazer com essa inspiração? Quais memórias quer para si?
Aos 82 anos, Bob Dylan tem o ofício de te desafiar.
Obrigado por todos esses anos de Arte, Sr. Dylan. Que continue assim por muito mais tempo – e não se esqueça do Brasil nesse giro terrestre.
41 anos depois de dirigir “The Last Waltz” e 14 anos depois de “No Direction Home”, Martin Scorsese volta ao universo dylanesco para abordar a famosa turnê Rolling Thunder Revue, um circo cigano criado por Bob Dylan e com participação de inúmeros artistas, como Joan Baez, Jack Elliot, Roger McGuinn e muitos outros (escrevi aqui um artigo detalhado sobre este período).
“Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story”, lançado no dia 12 de junho pela Netflix, é mais um conjunto de anedotas do que um registro documental. Talvez por conta da gigantesca empresa de streaming, Scorsese optou por uma obra mais divertida e próxima do entretenimento do que um documentário que os fãs mais radicais gostariam. Ainda assim, é um filme intrigante, interessante, rico e complexo.
Segundo a revista Rolling Stone, a ideia de uma nova parceria com Scorsese surgiu logo depois do sucesso de “No Direction Home”. Ao pensarem no Rolling Thunder Revue e no grande materia que se sabia que fora registrado em vídeo, a equipe de Dylan revirou todo o acervo, mas não encontrou os negativos das filmagens. O único registro foi a versão de trabalho, com inúmeros remendos para fazer a edição. Então a equipe de Scorsese teve que restaurar quadro a quadro até ficar com uma qualidade interessante para o documentário.
Desde 2009 a equipe de Dylan recolhe entrevistas com os participantes da turnê, mas pouco deste registro foi usado para o documentário. Bob foi entrevistado há dois anos pelo seu empresário, Jeff Rosen, sem a presença de Scorsese (assim como ocorrido em “No Direction Home”).
O resultado é envolvente, principalmente nas mãos de Scorsese. Suas colagens de cenas, coreografando imagens, falas e canções, criam uma narrativa elegante e poética. Já de início, Bob Dylan deixa claro seu conhecido desdém pela nostalgia – uma manobra que cai em contradição quando ele lembra de vários detalhes ao longo do filme.
As cenas dos shows mostram um Bob Dylan em um de seus ápices. Com o rosto maquiado, gesticula e dá ênfase com o corpo às palavras e dinâmicas da música. Sua interação com os outros integrantes da banda é intensa, com olhares e brincadeiras. Dividindo o palco com outros artistas, Bob Dylan parece solto, leve e livre do fardo que é ser Bob Dylan.
Os fãs mais detalhistas sentirão falta de passagens históricas importantes. “Renaldo & Clara”, o filme megalomaníaco meio documentário e meio show, idealizado por Dylan, não ganha qualquer menção explícita, sendo apenas sugerido através da parceria entre o dramaturgo convidado Sam Shepard e um cineasta de nome Stefan Van Dorp. Mas é aí que começa a ficar interessante…
(Se você não gosta de spoilers, deixe para terminar de ler depois de assistir)
Renaldo & Clara revisited?
Scorsese optou não por citar “Renaldo & Clara”, mas fazer sua própria versão. Alguns dos personagens retratados por ele nunca existiram, mas dão tempero e endossam o clima dos bastidores da turnê – que como bem registrou Ratso em seu livro, usavam o tempo livre entre os shows com filmagens semi-improvisadas e semi-roteirizadas.
Aqui estão as ficções criadas para o filme:
Stefan von Dorp nunca existiu, o ator é Martin von Haselberg, marido de Betty Midler
Sharon Stone não foi ao show acompanhada da mãe e nem teve um affair com Dylan
Jim Gianopulos não foi promotor (ele é o atual CEO da Paramount Pictures)
Dylan não se inspirou no Kiss para pintar a cara (e Scarlet não era namorada de Paul Stanley)
Allen Ginsberg e Peter Orlovsky não foram “rebaixados” a carregadores de caixa
O deputado Jack Tanner não existe. Interpretado por Michael Murphy, é inspirado no mockumentary Tanne ‘88
Neste momento, a frase de Dylan no início do filme se torna a espinha dorsal: “a vida não é sobre descobrir-se. A vida é sobre inventar-se”.
Também há pistas ao longo do filme. Do termo “conjurar” no início, aos truques de mágica e, principalmente, a outra frase de Dylan, que fala sobre usar máscara e dizer a verdade.
Conclusão
O filme parece agradar a todos: para os fanáticos, imagens inéditas e de alta qualidade dos shows, além de uma entrevista recente de Bob Dylan; para os “netflixers”, um pseudo-documentário que entretém e explica parte da mística em torno do cantor; e ao próprio Dylan, pois Scorsese parece presenteá-lo com uma versão melhorada, e imediatamente bem-sucedida, do que o longuíssimo-metragem que Bob fez nos anos 70 (Renaldo & Clara passa das quatro horas de duração).
Nos créditos, Scorsese optou por uma lista enorme de todos os anos de turnê do Bob Dylan, de 1975 a 2018. É como se endossasse a ideia de Dylan sobre ser apenas mais uma turnê, num longínquo passado.