Inside Llewyn Davis (ou Another Loser Like Me)

“Se nunca foi nova e nunca fica velha, então é uma canção folk” –

Llewyn Davis

“See that kid sitting back at the bar
He’s picking up a storm on a Martin guitar
That poor fool thinks he’s gonna be a star
He’s just another loser like me” –

Losers, de Dave Van Ronk

Inside Llewyn Davis

De maneira simplória, “Inside Llewyn Davis – Balada de um homem comum” conta a história de um músico e suas tentativas frustradas de sucesso. Mas por trás dessa sinopse diminuta, esconde-se outro tempo e outro lugar. O bairro de New York Greenwich Village no início de 1961 era bem diferente do que conheceríamos.

E talvez esteja aí um dos grandes trunfos do filme dos irmãos Cohen: contar uma história que se passa na calmaria antes da tempestade; no prólogo antes da história ser efetivamente (re)escrita.

[youtube=https://www.youtube.com/watch?v=8jddrp_GeIU]

O Greenwich Village se transformaria nos primeiros meses de 1961. No dia 24 de janeiro, um garoto que se autointitulava “Bob Dylan” chegava de Minneapolis ao bairro com o objetivo de seguir viagem até New Jersey, onde seu ídolo Woody Guthrie padecia em um hospital psiquiátrico. Mas toda a trama de “Inside Llewyn Davis” se passa antes da influência de Bob Dylan na cena e na região.

[youtube=https://www.youtube.com/watch?v=cUVQ3tvWj90]

Llewyn Davis x Dave Van Ronk

Llewyn Davis x Dave Van Ronk

Llewyn Davis é claramente, e vagamente, inspirado no músico Dave Van Ronk. Ao contrário de Llewyn, Van Ronk tinha uma relativa fama no bairro, sendo apelidado de “Prefeito da rua MacDougal” – uma das principais da região. Além de excelente violonista, influenciado por ícones como Rev. Gary Davis e Mississippi John Hurt, Van Ronk também era referência pelos pensamentos políticos e pela seu amplo conhecimento sobre folk, blues e jazz tradicional.

Outra “incoerência” é que Dave Van Ronk não só tinha uma casa como hospedou alguns músicos iniciantes – como o próprio Dylan, que passou boa parte de 1961 na casa de Dave e Terri.

Entre as similaridades, está o título do disco “Inside Llewyn Davis” e a busca pelo sucesso. Dave Van Ronk nunca chegou a ter a fama de seus contemporâneos e apesar dos discos que lançou e das turnês que fez, sua fama basicamente se restringiu ao bairro folk de New York.

[youtube=http://youtu.be/ngFUyhuF31U?t=2m20s]

Já em 1972, o selo Fantasy lançou uma compilação intitulada “Van Ronk” que continha os dois primeiros discos do músico – ambos gravados em abril de 1962. No encarte, lê-se:

“Dave Van Ronk tornou-se um personagem lendário na música folk, apesar de nunca ter a aceitação total do público que ele tão convincentemente merece. Como um estímulo e mentor na atmosfera de música folk de Greenwich Village, ele fornece orientação e inspiração para uma série de poetas da música, entre eles Bob Dylan, Paul Simon, Judy Collins e Arlo Guthrie”.

As armadilhas do folk

É complexo entender a razão da carreira “mal-sucedida” de Van Ronk. Sua interpretação era única e suas habilidades técnicas eram finas e virtuosas.

Seria seu repertório, recheado de músicas tradicionais antigas – e até algumas obras de Weill e Brecht, o grando culpado? Se sim, como Pete Seeger e Joan Baez conseguiram se manter tanto tempo no topo e no holofote?

joan baez and pete seeger

Tomando como base de comparação esses três músicos se tem alguns fatos concretos: Pete Seeger, ao lado de muitos companheiros como Woody Guthrie, praticamente criou o movimento de direitos civis aplicado à música. Sua contribuição para a disseminação dessa cultura popular teve um peso imensurável. Joan Baez também participou da mesma abordagem, agregando ao “folk revival” um engajamento político para a defesa dos oprimidos.

Mas talvez não esteja aí a grande diferença. Para mim, o que Dave Van Ronk sofreu foi simplesmente um “simple twist of fate”. Tanto Joan quando Pete já tinham lançado seus discos antes da chegada de Dylan em NY. Dave Van Ronk era apenas o cara certo, mas na hora errada.

Bob Dylan trouxe um frescor na tradição. Talvez a carreira de Dylan sirva como contra-exemplo para a frase de Llewyn: “Se nunca foi nova e nunca fica velha, então é uma canção folk”. Bob Dylan trouxe frases novas para uma música antiga; um pensamento atualizado revisitando os alicerces da cultura popular. A música de Dylan era nova e apenas nós, décadas depois, saberíamos que ela nunca ficaria velha.

Hang me, oh hang me I’ll be dead and gone

[youtube=https://www.youtube.com/watch?v=ksLh9uYgZdc]

“Inside Llewyn Davis” está longe de ser um filme hollywoodiano. Tanto o desenrolar da trama quanto sua narrativa espantam aqueles que querem algo harmonioso e utópico. O filme é a luta intensa do artista que acredita numa arte única e talvez pouco compreendida.

E, acima de tudo, é uma homenagem esquisita e diferente, mas com gratidão e respeito, aos ícones e lendas que são pouco conhecido de muitos, mas muito valiosos para poucos.

Infelizmente Dave Van Ronk de encaixa nessa definição e talvez agora seja a hora de compensar a falta de reconhecimento.

Veja vídeo interativo de “Like A Rolling Stone”!

LARS-Interative

A histórica canção “Like A Rolling Stone” ganhou seu primeiro clipe depois de quase 50 anos. A Columbia resolveu utilizar a música para divulgar o “Album Collection Vol. One” e fez um clipe interativo.

No vídeo, é possível alternar entre diversas situações, como se fossem canais de TV, e ver as pessoas dublando a letra. Em um dos canais, Bob Dylan está presente com imagens de arquivo.

Assista aqui.

Desvendando The Complete Album Collection Vol. One

The Complete Album Collection Vol. One

A Columbia colocou nas lojas, no último dia 5, um box “definitivo” com todos os álbuns oficiais de Bob Dylan lançados ao longo dos 50 anos de carreira (exceto Biograph e a série de Bootlegs).

Antes de falar do box, é preciso falar da rapidez na entrega. Comprei pela loja oficial do Bob Dylan, que é comandada pela My Play Direct. Apesar da data de lançamento ser no dia 5, um dia antes minha caixa já estava nas mãos da UPS. E, o mais incrível, é que no dia 7 o entregador estava batendo na minha porta!

[vimeo=https://vimeo.com/75402141]

Mas, infelizmente, fui taxado pela compra. Assim, além dos quase R$ 800 pagos na compra, ainda tive que desembolsar mais R$740 de impostos. O valor ficou bem salgado, mas ainda abaixo do que é vendido aqui no Brasil (a Livraria Cultura, por exemplo, não há estoque disponível e o valor é de mais de R$ 2.300).

Mesmo pela cobrança inesperada, assim que peguei o box nas mãos, as preocupações financeiras sumiram.

A Caixa

Frente & Verso

A caixa vermelha, com três fotos de Bob Dylan em preto-e-branco, contém um total de 47 CDs, sendo os 41 álbums oficiais + um disco duplo, Side Tracks, contendo músicas que só foram lançadas em compilações. Também faz parte da coleção um livreto de 260 páginas com textos inéditos e informações dos discos.

LateralBox

Álbuns oficiais

Álbuns

Os discos estão em encartes fiéis ao layout original, incluido os discos duplos. Alguns não foram corretamente coladas e ficam meio tortos; a cola de alguns não parece muito confiável a médio prazo (dando a impressão que se desgrudará aos poucos). Parece que faltou um pouco de preocupação com esses detalhes – erro grave quando se trata de um produto tão caro.

Dos 41 discos, 14 foram remasterizados pela primeira vez (são eles: Self Portrait, Pat Garrett & Billy the Kid, Dylan, At Budokan, Hard Rain, Street-Legal, Saved, Real Live, Empire Burlesque, Knocked Out Load, Down In The Groove, Under The Red Sky, Good As I Been To You e World Gone Wrong). Vale lembrar que três álbuns “polêmicos” foram inclusos: os discos que Bob Dylan gravou pela Asylum (Planet Waves e Before The Flood) e o álbum que a Columbia lançou como “vingança” pela saída de Bob, intiulado apenas Dylan.

Side Tracks

Side Tracks

O disco duplo Side Tracks contém 30 músicas que não estão em nenhum álbum oficial, mas que apareceram em compilações (como é o caso de “Positively 4th Street”, que foi lançada pela primeira vez como single, em 1965).

Abaixo, a relação completa de faixas:

CD1
01. Baby, I’m in the Mood for You
02. Mixed-Up Confusion (Single Version)
03. Tomorrow Is a Long Time
04. Lay Down Your Weary Tune
05. Percy’s Song
06. I’ll Keep It with Mine
07. Can You Please Crawl Out Your Window? (Single Version)
08. Positively 4th Street (Single Version)
09. Jet Pilot
10. I Wanna Be Your Lover
11. I Don’t Believe You (She Acts Like We Never Have Met) (Live)
12. Visions Of Johanna (Live)
13. Quinn The Eskimo (The Mighty Quinn)
14. Watching The River Flow
15. When I Paint My Masterpiece

CD2
01. Down In The Flood (Live)
02. I Shall Be Released
03. You Ain’t Goin’ Nowhere
04. George Jackson (Acoustic Version)
05. Forever Young
06. You’re a Big Girl Now
07. Up To Me
08. Abandoned Love
09. Isis (Live)
10. Romance in Durango (Live)
11. Caribbean Wind
12. Heart Of Mine (Live)
13. Series Of Dreams
14. Dignity (Alternate Version)
15. Things Have Changed

Das 30 músicas, 19 estão presentes no box Biograph, de 1985, já indicando que ele não deve aparecer no segundo volume da coleção (o Vol.2 focará nos Bootleg Series, que já somam 10 volumes e mais um deve vir ano que vem). Para Derek Barker, da revista Isis, Side Tracks é um disco pouco inspirado. Ele até sugere algumas músicas que poderiam estar nesta compilação, como “Corrina, Corrina”, “I’m Not There” e “John Birch Society Blues”.

Livreto

Livreto

O livreto é bem interessante para os fãs mais fervorosos. Contém introdução inédita de Bill Flanagan e um novo comentário de cada álbum escrito por Clinton Heylin. Também possui as informações e os textos contidos nos encartes dos álbuns.

O formato dele, com capa dura, é bonito, mas dificulta a leitura (é difícil abrir totalmente o livro para ler, por exemplo). Ainda assim, é um ótimo item e o texto de Flanagan é muito bom, em que ele aborda o aspecto atemporal e infinito da obra de Bob Dylan e termina a introdução da seguinte forma:

“[…] estes álbuns representam o melhor conjunto da obra de qualquer músico da era do rock – uma era em que enquanto eu escrevo isso já dura 60 anos. Dylan tem gravado por 50 desses anos. Se a música se sustenta por tanto tempo, não existe razão para pensar que ela não continuará falando com novos públicos por mais 50, por mais 100. E ele não terminou ainda. É provável que ele faça deste box completo incompleto cerca de 10 minutos que atingir as prateleiras.

É provavelmente seguro dizer que existem dois Bob Dylans – o artista e o indivíduo – da mesma forma que existem dois John Waynes, dois Mark Twains. Existe um rosto público, um performer, e existe o homem que o criou e que atua como. Nesta coleção você encontrará o artista público Bob Dylan. O homem nessas canções será uma das melhores companhias que você poderá ter – um viajante atirador, um co-piloto, um sábio camarada numa jornada de vida – com uma voz e uma visão heróica suficiente para desafiar o tempo.”

No final, é uma caixa para quem quer ter um conjunto bonito e funcional da carreira de Bob Dylan. Alguns detalhes deixaram a desejar, mas ainda assim vale o investimento se você é um grande fã – e tem o dinheiro disponível.