Resenha: Rolling Thunder Revue, o filme

41 anos depois de dirigir “The Last Waltz” e 14 anos depois de “No Direction Home”, Martin Scorsese volta ao universo dylanesco para abordar a famosa turnê Rolling Thunder Revue, um circo cigano criado por Bob Dylan e com participação de inúmeros artistas, como Joan Baez, Jack Elliot, Roger McGuinn e muitos outros (escrevi aqui um artigo detalhado sobre este período).

“Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story”, lançado no dia 12 de junho pela Netflix, é mais um conjunto de anedotas do que um registro documental. Talvez por conta da gigantesca empresa de streaming, Scorsese optou por uma obra mais divertida e próxima do entretenimento do que um documentário que os fãs mais radicais gostariam. Ainda assim, é um filme intrigante, interessante, rico e complexo.

Segundo a revista Rolling Stone, a ideia de uma nova parceria com Scorsese surgiu logo depois do sucesso de “No Direction Home”. Ao pensarem no Rolling Thunder Revue e no grande materia que se sabia que fora registrado em vídeo, a equipe de Dylan revirou todo o acervo, mas não encontrou os negativos das filmagens. O único registro foi a versão de trabalho, com inúmeros remendos para fazer a edição. Então a equipe de Scorsese teve que restaurar quadro a quadro até ficar com uma qualidade interessante para o documentário.

Desde 2009 a equipe de Dylan recolhe entrevistas com os participantes da turnê, mas pouco deste registro foi usado para o documentário. Bob foi entrevistado há dois anos pelo seu empresário, Jeff Rosen, sem a presença de Scorsese (assim como ocorrido em “No Direction Home”).

O resultado é envolvente, principalmente nas mãos de Scorsese. Suas colagens de cenas, coreografando imagens, falas e canções, criam uma narrativa elegante e poética. Já de início, Bob Dylan deixa claro seu conhecido desdém pela nostalgia – uma manobra que cai em contradição quando ele lembra de vários detalhes ao longo do filme.

As cenas dos shows mostram um Bob Dylan em um de seus ápices. Com o rosto maquiado, gesticula e dá ênfase com o corpo às palavras e dinâmicas da música. Sua interação com os outros integrantes da banda é intensa, com olhares e brincadeiras. Dividindo o palco com outros artistas, Bob Dylan parece solto, leve e livre do fardo que é ser Bob Dylan.

Os fãs mais detalhistas sentirão falta de passagens históricas importantes. “Renaldo & Clara”, o filme megalomaníaco meio documentário e meio show, idealizado por Dylan, não ganha qualquer menção explícita, sendo apenas sugerido através da parceria entre o dramaturgo convidado Sam Shepard e um cineasta de nome Stefan Van Dorp. Mas é aí que começa a ficar interessante…

(Se você não gosta de spoilers, deixe para terminar de ler depois de assistir)

Renaldo & Clara revisited?

Scorsese optou não por citar “Renaldo & Clara”, mas fazer sua própria versão. Alguns dos personagens retratados por ele nunca existiram, mas dão tempero e endossam o clima dos bastidores da turnê – que como bem registrou Ratso em seu livro, usavam o tempo livre entre os shows com filmagens semi-improvisadas e semi-roteirizadas.

Aqui estão as ficções criadas para o filme:

  1. Stefan von Dorp nunca existiu, o ator é Martin von Haselberg, marido de Betty Midler
  2. Sharon Stone não foi ao show acompanhada da mãe e nem teve um affair com Dylan
  3. Jim Gianopulos não foi promotor (ele é o atual CEO da Paramount Pictures)
  4. Dylan não se inspirou no Kiss para pintar a cara (e Scarlet não era namorada de Paul Stanley)
  5. Allen Ginsberg e Peter Orlovsky não foram “rebaixados” a carregadores de caixa
  6. O deputado Jack Tanner não existe. Interpretado por Michael Murphy, é inspirado no mockumentary Tanne ‘88

Neste momento, a frase de Dylan no início do filme se torna a espinha dorsal: “a vida não é sobre descobrir-se. A vida é sobre inventar-se”.

Também há pistas ao longo do filme. Do termo “conjurar” no início, aos truques de mágica e, principalmente, a outra frase de Dylan, que fala sobre usar máscara e dizer a verdade.

Conclusão

O filme parece agradar a todos: para os fanáticos, imagens inéditas e de alta qualidade dos shows, além de uma entrevista recente de Bob Dylan; para os “netflixers”, um pseudo-documentário que entretém e explica parte da mística em torno do cantor; e ao próprio Dylan, pois Scorsese parece presenteá-lo com uma versão melhorada, e imediatamente bem-sucedida, do que o longuíssimo-metragem que Bob fez nos anos 70 (Renaldo & Clara passa das quatro horas de duração).

Nos créditos, Scorsese optou por uma lista enorme de todos os anos de turnê do Bob Dylan, de 1975 a 2018. É como se endossasse a ideia de Dylan sobre ser apenas mais uma turnê, num longínquo passado.

Todos ganham, principalmente nós dylanescos.

Bob Dylan, 78 anos (ou “Dignity never been photographed”)

“Eu estou atento apenas no que acontece em um certo tempo. Não estou atento em como será quando eu for embora ou como é antes de eu estar lá” – Bob Dylan a Larry “Ratso” Sloman, 1975

Hoje Bob Dylan completa 78 anos. É uma marca invejável para um artista que continua se desafiando e interessado em manter na ativa sua inesgotável criatividade. A citação introdutória é de 1975, mas reflete muito bem o pensamento que acompanha Dylan desde sempre.

Registro durante o show em Valencia (07 de Maio de 2019), quando Dylan usou chaves de boca para segurar as letras.

Mesmo com os setenta e oito ciclos, Bob Dylan mantém seu giro mundial sem parecer ter hora para acabar. Há uma diminuição de velocidade e uma preferência por um repertório mais estático, mas ainda há espaço para experimentações, improvisos e uma necessidade de conectar com seu público.

Exemplo está em sua recente passagem por Viena, quando se irritou com um fotógrafo da platéia e pediu que escolhesse: ou tocavam ou posavam para a foto – quase levando um belo tombo. É interessante observar sua necessidade de brigar para que todos apreciem o momento – e que ninguém estrague o dele, principalmente.

Com sua dignidade intacta, Bob Dylan persiste na sua missão e devoção a sua Musa-mor. Se as palavras lhe rendem prêmios inéditos, é na melodia instantânea que ele encontra o afago para sua arte. Palavras sozinhas, para ele, talvez pareçam fracas ou perdidas. Não há muito o que dizer, mas há muito a se cantar.

Como um trovador budista, Bob Dylan semeia a prática de estar presente no presente. Ele evita ao máximo se afogar na nostalgia imutável. As canções, mesmo que as mesmas, continuam sendo reescritas, rearranjadas, refeitas, transformando-as em novo, de novo e sempre. A cada instante.

E se somos a soma dos instantes, quão relevante é estar presente no agora? Dylan que diga.

Para ler textos de aniversários anteriores, acesse:

Bob Dylan, 77 anos (ou “Olhando para trás”)
Bob Dylan, 76 anos (ou “O escultor sonoro”)
Bob Dylan, 75, e a ocupação em nascer
Bob Dylan, 74, e a Árvore da Música
Bob Dylan, 73, e o eterno estado de “vir a ser”
Bob Dylan, 72 anos: compreendendo Dylan
Os 71 anos de Bob Dylan (ou como ele nunca olha para trás)

Detalhes de “More Blood, More Tracks: The Bootleg Series Vol. 14”

Agora temos informações oficiais sobre o próximo Bootleg Series. O décimo quarto volume garimpará as sessões de gravações para o clássico álbum Blood On The Tracks, gravado em seis sessões, entre setembro e dezembro de 1974 e lançado em 20 de janeiro de 1975.

(Sugiro este artigo com alguns detalhes e importância deste álbum para Bob Dylan)

“More Blood, More Tracks” estará disponível em uma versão limitada de luxo e uma versão simples de 1 CD ou 2 LPs.

A versão de luxo terá 6 CDs, com um total de 87 faixas, contendo todas as gravações feitas em New York em setembro de 1974 – incluindo sobras, inícios que não deram certo e outros áudios – além de tudo que restou das sessões de gravação ocorridas em dezembro de 1974 em Minneapolis.

Também haverá dois livros, um de fotos e outro com texto escrito pelo jornalista Jeff Slate.

Foi lançado hoje um lyric video com o primeiro take de “If You See Her, Say Hello”, com imagens do manuscrito feito por Dylan no seu famoso caderno vermelho usado para compor o disco.

Belo, sereno e emotivo, Bob Dylan parece se abrir como raras vezes o vimos, sozinho ao violão e gaita:

A previsão de lançamento é 2 de novembro de 2018, com preço de US$150.

Clinton Heylin lança livro sobre disco

Assim como foi feito nas duas últimas edições do Bootleg Series, o autor e “dylanólogo” Clinton Heylin lançará um livro pela editora Route sobre a época, intitulado “No One Else Could Play That Tune” e com foco exclusivamente nas sessões de New York.

Veja o vídeo sobre o livro:

Confira a lista completa das faixas:

Disc: 1
1. If You See Her, Say Hello (Take 1)
2. If You See Her, Say Hello (Take 2)
3. You’re a Big Girl Now (Take 1)
4. You’re a Big Girl Now (Take 2)
5. Simple Twist of Fate (Take 1)
6. Simple Twist of Fate (Take 2)
7. You’re a Big Girl Now (Take 3)
8. Up to Me (Rehearsal)
9. Up to Me (Take 1)
10. Lily, Rosemary and the Jack of Hearts (Take 1)
11. Lily, Rosemary and the Jack of Hearts (Take 2)

Disc: 2
1. Simple Twist of Fate (Take 1A)
2. Simple Twist of Fate (Take 2A)
3. Simple Twist of Fate (Take 3A)
4. Call Letter Blues (Take 1)
5. Meet Me in the Morning (Take 1)
6. Call Letter Blues (Take 2)
7. Idiot Wind (Take 1)
8. Idiot Wind (Take 1, Remake)
9. Idiot Wind (Take 3 with insert)
10. Idiot Wind (Take 5)
11. Idiot Wind (Take 6)
12. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Rehearsal and Take 1)
13. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 2)
14. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 3)
15. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 4)
16. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 5)
17. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 6)
18. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 6, Remake)
19. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 7)
20. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 8

Disc: 3
1. Tangled Up in Blue (Take 1)
2. You’re a Big Girl Now (Take 1, Remake)
3. You’re a Big Girl Now (Take 2, Remake)
4. Tangled Up in Blue (Rehearsal)
5. Tangled Up in Blue (Take 2, Remake)
6. Spanish Is the Loving Tongue (Take 1)
7. Call Letter Blues (Rehearsal)
8. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 1, Remake)
9. Shelter from the Storm (Take 1)
10. Buckets of Rain (Take 1)
11. Tangled Up in Blue (Take 3, Remake)
12. Buckets of Rain (Take 2)
13. Shelter from the Storm (Take 2)
14. Shelter from the Storm (Take 3)
15. Shelter from the Storm (Take 4)

Disc: 4
1. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 1, Remake 2)
2. You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go (Take 2, Remake 2)
3. Buckets of Rain (Take 1, Remake)
4. Buckets of Rain (Take 2, Remake)
5. Buckets of Rain (Take 3, Remake)
6. Buckets of Rain (Take 4, Remake)
7. Up to Me (Take 1, Remake)
8. Up to Me (Take 2, Remake)
9. Buckets of Rain (Take 1, Remake 2)
10. Buckets of Rain (Take 2, Remake 2)
11. Buckets of Rain (Take 3, Remake 2)
12. Buckets of Rain (Take 4, Remake 2)
13. If You See Her, Say Hello (Take 1, Remake)
14. Up to Me (Take 1, Remake 2)
15. Up to Me (Take 2, Remake 2)
16. Up to Me (Take 3, Remake 2)
17. Buckets of Rain (Rehearsal)
18. Meet Me in the Morning (Take 1, Remake)
19. Meet Me in the Morning (Take 2, Remake)
20. Buckets of Rain (Take 5, Remake 2)

Disc: 5
1. Tangled Up in Blue (Rehearsal and Take 1, Remake 2)
2. Tangled Up in Blue (Take 2, Remake 2)
3. Tangled Up in Blue (Take 3, Remake 2)
4. Simple Twist of Fate (Take 2, Remake)
5. Simple Twist of Fate (Take 3, Remake)
6. Up to Me (Rehearsal and Take 1, Remake 3)
7. Up to Me (Take 2, Remake 3)
8. Idiot Wind (Rehearsal and Takes 1 – 3, Remake)
9. Idiot Wind (Take 4, Remake)
10. Idiot Wind (Take 4, Remake)
11. You’re a Big Girl Now (Take 1, Remake 2)
12. Meet Me in the Morning (Take 1, Remake 2)
13. Meet Me in the Morning (Takes 2 – 3, Remake 2)

Disc: 6
1. You’re a Big Girl Now (Takes 3 – 6, Remake 2)
2. Tangled Up in Blue (Rehearsal and Takes 1 – 2, Remake 3)
3. Tangled Up in Blue (Take 3, Remake 3)
4. Idiot Wind – with band
5. You’re a Big Girl Now – with band
6. Tangled Up in Blue – with band
7. Lily, Rosemary and the Jack of Hearts – with band
8. If You See Her, Say Hello – with band