A passagem inédita de Bob Dylan na China tornou-se polêmica após o desaparecimento do artista e dissidente Ai Weiwei. Com o anúncio dos dois show que o cantor fez no país socialista, muitos especularam sobre um possível posicionamento a favor do artista chinês.
Após as apresentações, sem Bob fazer qualquer discurso engajado, as pessoas passaram a criticar as canções escolhidas nas apresentações. Não foi incluído nenhum dos hits que o transformou no “cantor de protesto” que muitos conhecem.
Essas críticas apenas mostram que essas pessoas ainda mantêm a imagem congelada de Dylan da primeira metade dos anos 60.
As participações de Bob em movimentos políticos foram raras e pontuais desde o começo de sua carreira. Sua relação com o Folk, movimento explicitamente engajado, foi renegada pelo próprio cantor já na década de 60 – basta ver as canções It’s All Over Now, Baby Blue e It Ain’t Me, Babe. Bob também demonstrou não ter muito jeito para posturas engajadas, como sua “sugestão” em pleno Live Aid.
A respeito de sua falta de discurso sobre Weiwei, qualquer pessoa que acompanha a carreira de Dylan sabe que ele é um homem de poucas palavras no palco. Um exemplo recente foi sua apresentação na Casa Branca, quando Bob apareceu apenas para tocar e não trocou nenhuma palavra com o presidente Obama.
Sobre a escolha do repertório, as críticas a uma possível censura – ou auto-censura – são infundáveis ao se comparar as canções da apresentação chinesa com os últimos shows de 2010.
Como bem lembrou Harold Lepidus, as famosas “canções de protesto” que foram “cortadas”, como Blowin’ in the wind e The times they are a-changin’ também foram pouquíssimo tocadas em 2010. “Blowin’” foi executada apenas 10 vezes (apesar dele ter incluído na sua apresentação em Taiwan, no dia 3/4). Já “Times” foi interpretada apenas uma vez, em sua participação num evento na Casa Branca.
As letras de Dylan podem ter muitos significados. Gonna Change My Way of Thinking, música de abertura nos dois shows, além de ter um trecho sobre a “chegada de Jesus” (que já pode ser visto como uma afronta às tradições religiosas chinesas), começa com a seguinte estrofe:
Change my way of thinking, make myself a different set of rules.
I’m gonna change my way of thinking, make myself a different set of rules.
Gonna put my best foot forward, stop being influenced by fools.[Mudando meu modo de pensar, fazer um novo conjunto de regras
Irei mudar meu jeito de pensar, fazer um novo conjunto de regras
Colocarei meu melhor pé na frente, deixando de ser influenciado por tolos]
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Nesse contexto, a canção acima pode ser interpretada pelo menos de duas maneiras distintas. A crítica aos “tolos” seria dirigida às imposições do governo chinês; ou, segundo outra possibilidade, uma resposta simbólica direcionada aos que sempre cobram de Dylan um manifestação política.
Para mim, o fato é que a passagem de Dylan na China por si só já é um grande avanço na abertura do país. Sua visita mostra, mesmo que implícitamente, uma preocupação de Bob com a política mundial. E seu show foi montado como qualquer outro, sem tratar de modo especial esse evento, seja por ser inédito, seja pela situação particular de Weiwei.
2 thoughts on “Os tolos e suas velhas regras”