Resenha: Bob Dylan em Berlim (11/10/2024)

por Oscar Fortunato, artista plástico.

A estação de Warschauer Straße é onde os mundos se colidem em Berlim. De um lado, a decadência sans élégance das eternas construções da cidade e seus inúmeros moradores de rua. Do outro, a opulência capitalista: East Mall Shopping, onde Billie Eilish autografou um muro; a contestada Amazon Tower, que ainda não foi inaugurada e já foi alvo de protestos; fontes luminosas e bons restaurantes.

Na atual Uber Arena, antes Mercedes Benz Arena, uma multidão aguardava para entrar e assistir ao Eisbären Berlin, time de hóquei sobre gelo bastante popular. Um músico tocava Bob Dylan na entrada de um supermercado. Seu case aberto recebia as contribuições dos fãs a caminho do encontro com nosso adorado personagem.

Uber Eats Music Hall faz parte do complexo de eventos da região. O lugar é o mesmo da última vez que Bob se apresentou aqui, dois anos atrás. Apenas mudou de nome. Ótimo lugar. Muito confortável, atendimento excelente e acústica impecável.

Na entrada, era obrigatório colocar os celulares em uma sacolinha que impede de utilizar o aparelho durante o show. Coisa que, particularmente, gosto muito. Como se estivéssemos em um evento no passado, sem celulares filmando e fotografando, atrapalhando quem está ali para apreciar o momento.

Dei uma breve olhada na banca de produtos e confesso que achei tudo muito caro, então salvei meus euros.

As pessoas estavam muito animadas com a apresentação da noite anterior. Gente dos quatro cantos desse mundo, “o qual as pessoas dizem ser redondo”.

Me chamou a atenção a altura dos roadies. Pareciam seres alienígenas andando de um lado para o outro no palco.

Tudo pronto!

Pontualmente, como sempre, os cinco cavalheiros entram no palco. Todos vestidos de preto. Inclusive Bob. Uma introdução mais longa e incrível para All Along the Watchtower e, para minha maravilhosa surpresa, o homem está muitíssimo bem, obrigado! Muito mais disposto e com ótima voz. Sim, ótima voz. Tocou muita harmônica com solos incríveis em várias canções, levando os presentes ao desespero com o solo em It’s All Over Now, Baby Blue.

Estaremos felizes em tê-lo entre nós por mais um longo tempo. O homem tá um colosso!

Depois da abertura incrível, talvez a mais bonita versão de It Ain’t Me que já vi na vida, o cara ao meu lado enxugou uma lágrima no final. Eu também.

I Contain Multitudes e False Prophet são as duas primeiras do último disco. Tocou todas, exceto Murder Most Foul, por razões óbvias.

Nesse momento, eu já tinha percebido que a noite seria muito boa. Mas nada me preparou para a grandiosidade de When I Paint My Masterpiece. Levantamos e aplaudimos. Maravilhosa. Banda incrível. Tony sempre gigantesco. Jim Keltner sempre foi um virtuoso. Bob, vez ou outra, parecia consultar Jim. Bob Britt e Doug Lancio são firmes e bons escudeiros para Dylan.

Mais duas do último álbum: Black Rider e My Own Version of You, belamente executadas, e To Be Alone With You, com mais Bob humilhando na gaita.

Quero chegar aos setenta desse jeito.

Crossing the Rubicon foi precisa. Naquele momento, já tinha cruzado o Rubicão e, assim como Júlio César, não havia mais como voltar.

Desolation Row comoveu a todos no recinto. Cada palavra, cada verso. Todos já sabiam, nesse momento, que estávamos em um lugar especial.

Key West e a sensacional execução de It’s All Over Now, Baby Blue. A linda I Made Up My Mind to Give Myself to You e Watching the River Flow, que eu gostaria muito de ouvir novamente. As duas últimas do Rough and Rowdy Ways da noite: Mother of Muses e Goodbye Jimmy Reed.

Mais que perfeito encerrar a noite com Every Grain of Sand. Nesses tempos em que o ódio anda ligeiro e solto, Bob nos lembra sobre nossa ínfima existência neste mundo. De como somos pequenos. Pálido ponto azul perdido no infinito.

É uma música triste e profética, perfeita para esses tempos de guerras e violência. Tomara que Bob esteja certo e, que na fúria do momento, possamos ver a mão do Mestre.

Bob nunca falha. Amém!

O maior show de Bob Dylan (ou o menor em 25 anos)

A turnê de 1989, mesmo ano de lançamento de Oh Mercy, terminou no dia 15 de novembro. Menos de dois meses depois, Bob Dylan entraria em estúdio para gravar seu próximo disco, Under The Red Sky. As gravações começaram no dia 6 de janeiro, mas só terminariam em abril, após seis sessões de estúdio.

Entre uma sessão e outra, Dylan iniciaria sua Never Ending Tour de 1990. Como aquecimento dos próximos 14 shows que faria – incluindo quatro shows em Paris, seis em Londres e sua rápida passagem pelo Brasil (Morumbi em São Paulo e Sambódromo no Rio de Janeiro) -, Dylan fez algo duplamente inusitado: não só tocou pela primeira vez em 25 anos em um clube, como fez seu maior show.

O clube escolhido foi Toad’s Place, localizado em New Haven (Connecticut). A apresentação de Bob entraria em um rico histórico do Toad’s. Um ano antes, os Rolling Stones fizeram uma apresentação de uma hora e entre 1980 e 1981, o U2 se apresentou três vezes.

Bob subiu no palco no dia 12 de janeiro, sexta-feira. Os músicos que acompanham Dylan foram:

G.E. Smith: guitarrista que durante muito tempo foi o diretor musical do Saturday Night Live;

Tony Garnier: baixista que acompanha Dylan até hoje;

Christopher Parker: baterista (e artista plástico) que já havia gravado com Paul Butterfield, Maria Muldaur, Judy Collins, Lionel Hampton e muitos outros.

Dylan e cia. começaram a tocar às 8h45 e pararam às 2h20. Dividido em quatro sets (com um intervalo de cerca de 20 minutos entre eles), Bob Dylan interpretou 50 músicas e tocou por cerca de quatro horas.

O clima da apresentação foi descontraído e divertido. Bob Dylan avisou que o intuito da apresentação era treinar os finais das canções. Contudo, o músico aceitou diversas sugestões do público (em “Joey”, Dylan sugeriu que o dono do pedido subisse ao palco para cantar) e ainda tocou 18 covers, incluindo “Dancing In The Dark”, de Bruce Springsteen.

Para suas canções, Bob também apresentou surpresas: tocou pela primeira vez ao vivo “Tight Connection To My Hear”, “Political World” (que ele repetiu três vezes) e “Congratulations” (do seu projeto Traveling Wilburys). Para “Lay Lady Lay”, Dylan fez o seguinte prefácio:

“Esta é uma das minhas poucas canções românticas. O romance não tem um papel grande na minha vida, mas já teve”.

Confira o repertório completo (via Björner) e ouça os sets:

Set um
1. Walk A Mile In My Shoes (Joe South)
2. One More Cup Of Coffee (Valley Below)
3. Rainy Day Women # 12 & 35
4. Trouble No More (McKinley Morganfield)
5. I’ve Been All Around This World (trad.)
6. Political World
7. Where Teardrops Fall
8. Tears Of Rage (Bob Dylan & Richard Manuel)
9. I Dreamed I Saw St. Augustine
10. It Takes A Lot To Laugh, It Takes A Train To Cry
11. Everybody’s Movin’ (Glen Trout)

Set dois
12. Watching The River Flow
13. What Was It You Wanted
14. Oh Baby It Ain’t No Lie (Elizabeth Cotten)
15. Lenny Bruce
16. I Believe In You
17. Man Of Peace
18. Across The Borderline (Ry Cooder/John Hiatt/Jim Dickinson)
19. Leopard-Skin Pill-Box Hat
20. All Along The Watchtower

Set três
21. Tight Connection To My Heart (Has Anybody Seen My Love)
22. Political World
23. What Good Am I?
24. Wiggle Wiggle
25. Stuck Inside Of Mobile With The Memphis Blues Again
26. Pay The Price (Moon Martin)
27. Help Me Make It Through The Night (Kris Kristofferson)
28. Man In The Long Black Coat
29. Congratulations
30. Dancing In The Dark (Bruce Springsteen)
31. Lonesome Whistle Blues (Hank Williams-Jimmy Davies)
32. Confidential (Dolinda Morgan)
33. In The Garden
34. Everything Is Broken

Set quatro
35. So Long, Good Luck And Goodbye (Weldon Rogers)
36. Where Teardrops Fall
37. Political World
38. Pretty Peggy-O (trad. arr. Bob Dylan)
39. I’ll Remember You
40. Key To The Highway (Charles Segar/Willie Broonzy)
41. Joey (Bob Dylan & Jacques Levy)
42. Lay Lady Lay
43. I Don’t Believe You (She Acts Like We Never Have Met)
44. When Did You Leave Heaven? (W. Bullock/R. Whiting)
45. Maggie’s Farm
46. I’ve Been All Around This World (trad.)
47. In The Pines (Huddie “Leadbelly” Leadbetter)
48. Highway 61 Revisited
49. Precious Memories (arr. by Bob Dylan)
50. Like A Rolling Stone

Bob Dylan em Brasília: repertório e fotos

Bob Dylan fez seu segundo show brasileiro de 2012 na cidade de Brasília. Abaixo, o repertório – com uma música a mais do que no Rio de Janeiro – e algumas fotos.

1. Leopard-Skin Pill-Box Hat
2. Don’t Think Twice, It’s All Right
3. Things Have Changed
4. Tangled Up In Blue
5. Beyond Here Lies Nothin’
6. Simple Twist Of Fate
7. Summer Days
8. Spirit On The Water
9. Honest With Me
10. A Hard Rain’s A-Gonna Fall
11. Highway 61 Revisited
12. Blind Willie McTell
13. Thunder On The Mountain
14. Ballad Of A Thin Man
15. Like A Rolling Stone
16. All Along The Watchtower

(bis)
17. Rainy Day Women #12 & 35