O Greenwich Village de Bob Dylan (ou Sons da Cena de 1961)

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Bob Dylan chegou à New York em uma terça-feira, 24 de janeiro de 1961. Foi direto para o bairro de Greenwich Village (atraído pelo aluguel barato e pela atmosfera boêmia e estudantil) e já em sua primeira noite, vagueou pela MacDougal Street e entrou no Café Wha?, onde tocou duas músicas de Woody Guthrie.

No domingo seguinte e em diversas outras ocasiões, Bob Dylan visitaria Woody – internado no Greystone Park Psychiatric Hospital – e passaria a conviver com pessoas que também celebravam a música de Woody, como Bob Gleason, Ramblin’ Jack Elliot e Pete Seeger.

Quase imediatamente, Bob passou a integrar a “gangue” dos músicos de Greenwich Village que tocavam em todos os bares possíveis e que, depois das mini-apresentações, passavam um cesto para conseguir alguns trocados.

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Nessa época, várias testemunhas viam Bob sempre calado, mexendo ansiosamente a perna, observando tudo que via em sua volta. Ganhou o apelido de “esponja” e absorveu várias coisas que via no dia a dia – sotaque e novos acordes de uns; dedilhados e canções desconhecidas de outros (como a história do “empréstimo” que Dylan fez da versão de “House Of The Rising Sun” de Dave Van Ronk – e que depois seria usada também pela banda Animals).

Neste tempo e espaço único, com o movimento de Folk Revival começando a borbulhar ao lado do jazz, blues e poesia beat do Greenwich Village, Bob Dylan recebeu uma enxurrada de informações e referências que seriam cruciais para muita coisa: do fraseado poético ao encontro com Woody Guthrie, o contrato com John Hammond e muito mais.

Sons da Cena de 1961

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Apesar de Greenwich Village ocupar um pequeno trecho do sul da ilha de Manhattan, ela tem um bom pedaço do espaço emocional para Bob Dylan e seus fãs. Com base nessa relevância, a gravadora Chrome Dreams e o editor da revista ISIS Derek Barker fizeram uma compilação que ilustra bem o contexto em que Bob Dylan mergulhou (e ainda assim conseguiu se diferenciar).

São 50 faixas do mais variado conteúdo. Há Pete Seeger e Woody Guthrie como a base de muita coisa; temos contemporâneos do Folk Revival como Dave Van Ronk, Ramblin’ Jack Elliot e The New Lost City Ramblers; temos a poesia de Allen Ginsberg e as piadas de Lenny Bruce; blues que vão de John Lee Hooker e Big Joe Willams a Lonnie Johson e Josh White. E por aí vai…

Derek afirma que não foi sua intenção, mas ao garimpar as canções que compõe o CD Duplo percebeu que muitas músicas já foram interpretadas por Dylan ao longo das cinco décadas de carreira. Outro ponto bem interessante são releituras feitas por Dylan a partir de letras e melodias, é o caso de “Nottamun Town” (para “Masters Of War”) e “Who’s Gonna Buy Your Ribbon” (para “Don’t Think Twice, It’s Alright”), por exemplo.

Ouça no Spotify (e aproveite para seguir o perfil do Dylanesco) ou compre o CD aqui.

Assista Bob Dylan no Desert Trip (“Oldchella”) na íntegra!

Bob Dylan, Desert Trip (14/10/2016)

Que semana para Bob Dylan! Tocou para 75 mil pessoas no festival Desert Trip (Califórnia) na sexta, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura na quinta, se apresentou no mesmo dia em Las Vegas (sem qualquer menção ao prêmio – sendo a única surpresa empunhar a guitarra depois de anos durante “Simple Twist of Fate”) e retornou à Califórnia para fechar sua participação no festival que também trouxe Rolling Stones, Paul McCartney, Neil Young, The Who e Roger Waters.

(Quase) o mesmo repertório, mas um show bem diferente

Bob Dylan fez minúsculas mudanças no repertório dos três shows dessa semana. Se na primeira participação no Desert Trip ficou de fora os dois maiores clássicos de sua carreira, “Blowin’ In The Wind” e “Like A Rolling Stone”, o cantor resolveu incluí-los separadamente nos dois shows seguintes – além de acrescentar uma música de sua atual fase “crooner”, “Why Try To Change Me Now”.

Para o show do dia 07 de outubro de 2016, um Bob Dylan mais intimista, usando seu chapéu e sentado ao piano boa parte (apesar de muitos notarem que ele não usava camisa por baixo do terno – talvez querendo manter o estilo, mas cedendo ao calor californiano). Segundo relatos, Dylan parecia mais solto e alegre do que de costume na apresentação de Las Vegas no dia 13/10, mesmo dia do anúncio do Nobel de Literatura.

Bob Dylan, Desert Trip (14/10/2016)

Em sua segunda aparição no Desert Trip, 14/10, Bob Dylan manteve a desenvoltura do show de Las Vegas. Tocou piano, mas de pé, e deixou o chapéu intocado próximo ao guitarrista Charlie Sexton (a camisa também não estava presente). Em alguns momentos, pegou um dos quatro pedestais de microfone no centro do palco e se portou como um devido roqueiro – talvez para dizer que é primeiro músico e depois Nobel de Literatura (mas deixou em destaque uma réplica do busto “Poesie”, de Antonio Garella, atrás do piano). Porém, o mais notado foi que ele permitiu que transmitisse no telão o show inteiro (na semana anterior, só as primeiras músicas). Ainda assim, os ângulos eram distantes – ruim para quem quer ver muitos detalhes, mas bom para criar a ambiência que Dylan parece perseguir nos últimos anos.

Houve uma mudança drástica no repertório desses primeiros shows de outubro em relação aos anteriores que privilegiava as canções de seus dois últimos discos (Shadows In The Night e Fallen Angels) de standards já interpretados por Frank Sinatra. Este ajuste deve estar diretamente ligado à amplitude de público do festival. Ao mesmo tempo, é impossível deixar de perceber a consistência da carreira de Dylan. Deste repertorio mais “nostálgico”, sete músicas são dos anos 60, duas dos anos 70 e oito são de 1997 para cá, incluindo “Make You Feel My Love”, como se Bob quisesse retomar os créditos depois que a canção ficou famosa na voz de Adele.

É fato que Bob Dylan distoa de boa parte de seus contemporâneos sessentistas que também subiram ao palco do Desert Trip (talvez a única exceção seja Neil Young). Ele preferiu seguir um outro caminho, menos nostálgico e mais desafiador. Também optou por menos fogos de artifício para focar em sua arte primária: a música.

Vídeo: Bob Dylan no Desert Trips (Oldchella) – 14/10/2016

Repertório:
1. Rainy Day Women #12 & 35 (Bob ao piano)
2. Don’t Think Twice, It’s All Right (Bob ao piano)
3. Highway 61 Revisited (Bob ao piano)
4. It’s All Over Now, Baby Blue (Bob ao piano)
5. High Water (For Charley Patton) (Bob no centro do palco)
6. Simple Twist Of Fate (Bob no centro do palco com gaita)
7. Early Roman Kings (Bob ao piano)
8. Love Sick (Bob centro do palco)
9. Tangled Up In Blue (Bob no centro do palco com gaita)
10. Lonesome Day Blues (Bob ao piano)
11. Make You Feel My Love (Bob ao piano)
12. Pay In Blood (Bob no centro do palco)
13. Desolation Row (Bob ao piano)
14. Soon After Midnight (Bob ao piano)
15. Ballad Of A Thin Man (Bob no centro do palco com gaita)
(bis)
16. Like A Rolling Stone (Bob ao piano)
17. Why Try To Change Me Now (Bob no centro do palco)

Outros vídeos:

Bob Dylan ganha Prêmio Nobel de Literatura 2016

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O Prêmio Nobel divulgou hoje que Bob Dylan é o vencedor do ano na categoria literatura. No site oficial, a instituição sueca deu uma breve descrição sobre a razão da escolha:

“O Prêmio Nobel de Literatura 2016 foi concedido a Bob Dylan por criar uma nova expressão poética dentro da grande tradição de canções Americanas.”

O vencedor do Prêmio Nobel ganha 8 milhões de coroas suecas (cerca de 1,2 milhões de dólares).

No evento de anúncio do ganhador, Sara Danils, Secretária da Academia Sueca, descreveu Dylan como “Um grande exemplo… e por 54 anos ele esteve se mostrou como tal, reinventando-se”. Danils citou o disco Blonde On Blonde, de 1966: “Um exemplo extraordinário da sua brilhante maneira de fazer rimas, conectar refrões e seu jeito brilhante de pensar”.

Apesar de saber que a decisão surpreenderia, Danils justificou:

“Se você olhar muito para trás, 5.000 anos, você descobre Homero e Safo. Eles escreveram textos poéticos que eram destinados a serem performados, e é o mesmo jeito para Bob Dylan. Nós ainda lemos Homero e Safo e gostamos.”

Segundo o UOL, o escritor japonês Haruki Murakami era o favorito dos leitores. Outros nomes citados foram os do poeta sírio Adonis e do romancista queniano Ngugi wa Thiong’o. Bob Dylan é o 259º americano a ganhar o prêmio e neste ano outros nomes dos EUA estavam na disputa, como Don DeLillo, Philip Roth e Joyce Carol Oates.

Entre os fãs dylanescos, sempre existiu a expectativa de que Bob Dylan ganhasse o Prêmio. Contudo, muito se discutiu entre os especialistas não apenas sobre a relevância de Bob Dylan como pela escolha de um músico em um prêmio exclusivamente para escritores.

Times They Are A-Changin’.

Parabéns, Bob!

Para quem ainda tem dúvidas sobre a escolha, uma seleção com 10 poesias dylanescas: