Bob Dylan, 72 anos: compreendendo Dylan

“Compreender é sentir… a habilidade de explicar não significa nada.” – Paul Williams

Bob Dylan, 72 anos

Tão prodígio quanto o próprio Dylan, o então garoto de 18 anos Paul Williams escreveu em julho de 1966 um artigo batizado de “Compreendendo Dylan”. O texto foi publicado na quarta edição da revista criada pelo próprio Paul, a lendária Crawdaddy!, que fortalecida pela foto de Bob na capa vendeu mais de 400 cópias só durante um Newport Folk Festival.

Neste ensaio, Paul Williams diminui a importância de se saber mínimos detalhes biográficos e sugere que se aprecie – e experiencie – mais as músicas de Dylan.

Num certo momento, Paul utiliza de uma analogia muito interessante para explicar a “função” dos poetas (como Dylan): ao invés de explicar detalhadamente o que ele viu – e o que ele acredita que viveu – o artista tenta fazer com que você sinta o que ele sentiu. No final, o mais importante não é exatamente explicar, ou de falar do que se trata a música, mas de te mostrar a complexidade dos sentimentos e vivências embutidos na canção.

Ele não te dá uma descrição, ele te fornece uma experiência. Daí a frase que usei como epígrafe. Mas apesar da afirmação categórica, o Paul Williams não diminui a função do crítico musical. Para ele, o crítico sensível deve ser um guia, que ao invés de parafrasear a canção, tenta mostrar às pessoas como apreciá-la.

E Paul Williams foi realmente um crítico de muita sensibilidade. Coincidentemente, comecei a ler um livro seu semanas antes dele falecer e o que mais me chamou a atenção foi a proximidade de sua escrita (não à toa, Bob Dylan o convidou para acompanhar alguns shows em 1980).

Portanto, este breve devaneio que faço é uma homenagem dupla: a Paul, por abrir nossa mente para um olhar tão sensível; e a Bob, que foi quem fez com que o crítico desenvolvesse este dom.

* * *

Este é o terceiro post que faço usando o aniversário de Dylan para falar de sua arte (e parafraseando Paul, se você não considera a obra de Bob uma arte, eu não vou debater isso agora e não sei como você conseguiu ler até aqui). Relendo os dois posts anteriores, alguns textos me chamaram a atenção.

No primeiro, escrevi:

“Todo sentimento humano talvez possa ser representado por uma canção dylanesca. Mais do que isso: todo sentimento humano talvez seja melhor ilustrado atraves de sua música.”

E no segundo:

“Mesmo soando contraditório, ele é um sonegador do próprio passado ao mesmo tempo que dialoga com tudo o que já fez. Revisita suas músicas mas, ao invés de requentar todo o sabor criado, refaz todo o prato e cria novos aromas para as mais de 500 receitas.”

Acho que continuo concordando com os dois trechos – apesar de querer, como é comum em releituras próprias, mudar isso ou aquilo -, mas foi após ler alguns textos de Paul Williams que eu tiveBob Dylan, 72 anos mais uma ideia do que é a música dylanesca.

Ouvir Bob Dylan é imergir num mundo tão complexo quanto belo. É passear por jardins, ruas, avenidas e todo tipo de lugar que significa e re-significa a todo momento.

É presenciar diálogos sensíveis ou ácidos que você com certeza reutilizará em algum momento de sua vida – ou desejará tê-los usado. É entender um pouco mais a mediocridade humana e, de alguma maneira, saber contemplá-la mesmo com todo o horror.

É acompanhar as mutações de um artista, revisitar seus sentimentos e expectativas e trabalhar suas próprias frustrações diante de uma música em estado de transfiguração.

É saber, acima de tudo, estar aberto a absorver de peito aberto tudo aquilo que ele tem para te oferecer.

Talvez seja essa a “função” de Bob Dylan: te ensinar a viver.

E que ele continue nos ensinando.

Happy Birthday, Mr. Dylan.

17 thoughts on “Bob Dylan, 72 anos: compreendendo Dylan

  1. Tudo que eu sinto desde que passei a ouvir Dylan teve sua expressão neste texto. Dylan transcende qualquer entendimento. Obrigado, Bob.

  2. Belo Texto !!
    Mais um ano de vida de Dylan e também mais um em que nos debruçamos sobre sua obra para tentar ao menos um pouco absorver significados que descobrimos , mas sempre estiveram lá !!!

    ” Dylan Forever and Ever ” !!

  3. A mais bela recomendacao de Dylan para mim foi: “Serve God and be cheerful/Look upward beyond/Beyond the darkness of masks/The surprises of dawn…”

    Abracos,

  4. Vi Dylan o ano passado em Heredia, Costa Rica…. Foi o único show da turné Latinoamericana onde tocou 18 músicas….Assistimos a um pedaco da história…

  5. “Ouvir Bob Dylan é imergir num mundo
    tão complexo quanto belo. É passear por
    jardins, ruas, avenidas e todo tipo de
    lugar que significa e re-significa a
    todo momento.” – Maravilhoso!…

    Happy Birthday, Mr. Dylan!…

  6. É incrível como um cara consegue se reinventar a cada ano que passa. Que ele continue por muitos anos escrevendo e cantando aquilo que soa tão próximo de nós.
    E parabéns pelo ótimo texto Pedro!

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