Podcast Dylanesco #12 – Mutações instantâneas (no estúdio)

Apesar de ser conhecido como o laureado poeta da música, Bob Dylan sabe bem cantar as histórias das canções – sejam dele ou de outros. Para além do aspecto técnico do canto, há um componente de interpretação na performance que faz de Dylan um cantor expressivo e autêntico.

Neste episódio, uso três exemplos para mostrar uma outra característica que se complementa a essas: as mutações que Dylan faz nos arranjos das músicas, trazendo frescor e novas perspectivas para um mesmo enredo.

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Abaixo, uma seleção das versões mencionadas no episódio, para quem quiser curtir elas por completo.

Resenha: Bob Dylan em Berlim (11/10/2024)

por Oscar Fortunato, artista plástico.

A estação de Warschauer Straße é onde os mundos se colidem em Berlim. De um lado, a decadência sans élégance das eternas construções da cidade e seus inúmeros moradores de rua. Do outro, a opulência capitalista: East Mall Shopping, onde Billie Eilish autografou um muro; a contestada Amazon Tower, que ainda não foi inaugurada e já foi alvo de protestos; fontes luminosas e bons restaurantes.

Na atual Uber Arena, antes Mercedes Benz Arena, uma multidão aguardava para entrar e assistir ao Eisbären Berlin, time de hóquei sobre gelo bastante popular. Um músico tocava Bob Dylan na entrada de um supermercado. Seu case aberto recebia as contribuições dos fãs a caminho do encontro com nosso adorado personagem.

Uber Eats Music Hall faz parte do complexo de eventos da região. O lugar é o mesmo da última vez que Bob se apresentou aqui, dois anos atrás. Apenas mudou de nome. Ótimo lugar. Muito confortável, atendimento excelente e acústica impecável.

Na entrada, era obrigatório colocar os celulares em uma sacolinha que impede de utilizar o aparelho durante o show. Coisa que, particularmente, gosto muito. Como se estivéssemos em um evento no passado, sem celulares filmando e fotografando, atrapalhando quem está ali para apreciar o momento.

Dei uma breve olhada na banca de produtos e confesso que achei tudo muito caro, então salvei meus euros.

As pessoas estavam muito animadas com a apresentação da noite anterior. Gente dos quatro cantos desse mundo, “o qual as pessoas dizem ser redondo”.

Me chamou a atenção a altura dos roadies. Pareciam seres alienígenas andando de um lado para o outro no palco.

Tudo pronto!

Pontualmente, como sempre, os cinco cavalheiros entram no palco. Todos vestidos de preto. Inclusive Bob. Uma introdução mais longa e incrível para All Along the Watchtower e, para minha maravilhosa surpresa, o homem está muitíssimo bem, obrigado! Muito mais disposto e com ótima voz. Sim, ótima voz. Tocou muita harmônica com solos incríveis em várias canções, levando os presentes ao desespero com o solo em It’s All Over Now, Baby Blue.

Estaremos felizes em tê-lo entre nós por mais um longo tempo. O homem tá um colosso!

Depois da abertura incrível, talvez a mais bonita versão de It Ain’t Me que já vi na vida, o cara ao meu lado enxugou uma lágrima no final. Eu também.

I Contain Multitudes e False Prophet são as duas primeiras do último disco. Tocou todas, exceto Murder Most Foul, por razões óbvias.

Nesse momento, eu já tinha percebido que a noite seria muito boa. Mas nada me preparou para a grandiosidade de When I Paint My Masterpiece. Levantamos e aplaudimos. Maravilhosa. Banda incrível. Tony sempre gigantesco. Jim Keltner sempre foi um virtuoso. Bob, vez ou outra, parecia consultar Jim. Bob Britt e Doug Lancio são firmes e bons escudeiros para Dylan.

Mais duas do último álbum: Black Rider e My Own Version of You, belamente executadas, e To Be Alone With You, com mais Bob humilhando na gaita.

Quero chegar aos setenta desse jeito.

Crossing the Rubicon foi precisa. Naquele momento, já tinha cruzado o Rubicão e, assim como Júlio César, não havia mais como voltar.

Desolation Row comoveu a todos no recinto. Cada palavra, cada verso. Todos já sabiam, nesse momento, que estávamos em um lugar especial.

Key West e a sensacional execução de It’s All Over Now, Baby Blue. A linda I Made Up My Mind to Give Myself to You e Watching the River Flow, que eu gostaria muito de ouvir novamente. As duas últimas do Rough and Rowdy Ways da noite: Mother of Muses e Goodbye Jimmy Reed.

Mais que perfeito encerrar a noite com Every Grain of Sand. Nesses tempos em que o ódio anda ligeiro e solto, Bob nos lembra sobre nossa ínfima existência neste mundo. De como somos pequenos. Pálido ponto azul perdido no infinito.

É uma música triste e profética, perfeita para esses tempos de guerras e violência. Tomara que Bob esteja certo e, que na fúria do momento, possamos ver a mão do Mestre.

Bob nunca falha. Amém!

Bob Dylan, 82 anos (ou a resiliência dylanesca)

“Nas artes, como na vida, tudo é possível desde que se baseie no amor” – Marc Chagall

“O maior objetivo da arte é inspirar. O que mais você pode fazer? O que mais você pode fazer por alguém a não ser inspirar?” – Bob Dylan

Mais um ciclo ao redor do Sol de Bob Dylan. E mais um ano em que o músico sobe no palco, trabalha em arranjos e variações líricas e explora canções que aprecia.

Recentemente vi um relato do Pete Townshend sobre uma conversa que ele teve com Dylan durante o Desert Trip, lá em 2016. Ao questionar Bob sobre porque faz tantos shows, recebeu como resposta:

“Sou um cantor folk. Um cantor folk é tão bom quanto sua memória, e minha memória está acabando”.

Para além da perda de memória de fato, que ataca a qualquer um com a idade, aqui há outro ponto importante: o propósito inerente de si. Bob Dylan entende que sua missão no mundo é ser um cantor folk. É levar suas memórias – e as inúmeras variações que faz delas – para quem quiser apreciar.

Ainda assim, a questão de Pete se mantém: porque fazer tantos shows? Porque insistir em cruzar os continentes indefinidamente? Porque lançar discos e mais discos de canções inéditas?

Talvez porque memórias não são as histórias que ocorreram… são as histórias que imaginamos. E recontamos. E recriamos.

E a partir desse relato de Pete, só podemos imaginar o que se passou nos quase dois anos de reclusão durante a pandemia. Sem poder alimentar e disseminar suas memórias. O que sabemos é que a retomada se deu num anúncio de turnê mundial que durará três anos.

A insistência de Dylan em se colocar em cima do palco em turnês extensas e mundiais é algo incrível – principalmente para alguém aos 82 anos. Vai além de entender que essa é a vida do músico ou que seja simplesmente algo que lhe dar prazer. É os dois, mas ultrapassa isso.

Subir ao palco é uma forma de enxergar a vida. De transmitir seu amor pela Música. Uma espécie de resiliência dylanesca cuja forma original é à frente do microfone com um público o testemunhando. E seja como for, com pandemia, idade, lapsos de memória e o que mais a vida tentar deformá-lo, ele voltará à jeito original com a mesma naturalidade que uma espuma retorna ao seu formato.

É também a naturalidade de como seu amor pela Música comove as pessoas. A adversidade da idade não o impede de sempre retomar a sua forma original, em cima do palco. Não é um agrado, ou apenas um ganha-pão, mas um incentivo a explorar todo seu potencial como ser humano. Para Dylan é fazer letras e músicas – ou esculturas de metal, pinturas diversas e tantas outras ações. E ao subir no palco, dia após dia, ele te inspira e te instiga: o que você vai fazer com essa inspiração? Quais memórias quer para si?

Aos 82 anos, Bob Dylan tem o ofício de te desafiar.

Obrigado por todos esses anos de Arte, Sr. Dylan. Que continue assim por muito mais tempo – e não se esqueça do Brasil nesse giro terrestre.

Parabéns!