“Nas artes, como na vida, tudo é possível desde que se baseie no amor” – Marc Chagall
“O maior objetivo da arte é inspirar. O que mais você pode fazer? O que mais você pode fazer por alguém a não ser inspirar?” – Bob Dylan
Mais um ciclo ao redor do Sol de Bob Dylan. E mais um ano em que o músico sobe no palco, trabalha em arranjos e variações líricas e explora canções que aprecia.
Recentemente vi um relato do Pete Townshend sobre uma conversa que ele teve com Dylan durante o Desert Trip, lá em 2016. Ao questionar Bob sobre porque faz tantos shows, recebeu como resposta:
“Sou um cantor folk. Um cantor folk é tão bom quanto sua memória, e minha memória está acabando”.
Para além da perda de memória de fato, que ataca a qualquer um com a idade, aqui há outro ponto importante: o propósito inerente de si. Bob Dylan entende que sua missão no mundo é ser um cantor folk. É levar suas memórias – e as inúmeras variações que faz delas – para quem quiser apreciar.
Ainda assim, a questão de Pete se mantém: porque fazer tantos shows? Porque insistir em cruzar os continentes indefinidamente? Porque lançar discos e mais discos de canções inéditas?
Talvez porque memórias não são as histórias que ocorreram… são as histórias que imaginamos. E recontamos. E recriamos.
E a partir desse relato de Pete, só podemos imaginar o que se passou nos quase dois anos de reclusão durante a pandemia. Sem poder alimentar e disseminar suas memórias. O que sabemos é que a retomada se deu num anúncio de turnê mundial que durará três anos.
A insistência de Dylan em se colocar em cima do palco em turnês extensas e mundiais é algo incrível – principalmente para alguém aos 82 anos. Vai além de entender que essa é a vida do músico ou que seja simplesmente algo que lhe dar prazer. É os dois, mas ultrapassa isso.
Subir ao palco é uma forma de enxergar a vida. De transmitir seu amor pela Música. Uma espécie de resiliência dylanesca cuja forma original é à frente do microfone com um público o testemunhando. E seja como for, com pandemia, idade, lapsos de memória e o que mais a vida tentar deformá-lo, ele voltará à jeito original com a mesma naturalidade que uma espuma retorna ao seu formato.
É também a naturalidade de como seu amor pela Música comove as pessoas. A adversidade da idade não o impede de sempre retomar a sua forma original, em cima do palco. Não é um agrado, ou apenas um ganha-pão, mas um incentivo a explorar todo seu potencial como ser humano. Para Dylan é fazer letras e músicas – ou esculturas de metal, pinturas diversas e tantas outras ações. E ao subir no palco, dia após dia, ele te inspira e te instiga: o que você vai fazer com essa inspiração? Quais memórias quer para si?
Aos 82 anos, Bob Dylan tem o ofício de te desafiar.
Obrigado por todos esses anos de Arte, Sr. Dylan. Que continue assim por muito mais tempo – e não se esqueça do Brasil nesse giro terrestre.
Parabéns!