Beyoncé posta Bob Dylan no Instagram

Lendo a última edição da revista ISIS, vi um fato que passou despercebido do resto do universo dylanesco. A foto foi postada faz tempo, mas vale a menção.

No dia 12 de novembro de 2012, a cantora Beyoncé postou em seu Instagram uma foto com uma frase de Dylan.

O trecho acima é da música “Talkin’ Word War III Blues”, lançada em 1963 no disco The Freewheelin’ Bob Dylan.

Some people feel the rain…

Quatro dias depois, Beyoncé postou uma frase que já foi creditada a Bob Dylan (e a Bob Marley também). Contudo, a cantora colocou como autor a escritora Anaïs Nin.

Eu tentei pesquisar qual a verdadeira autoria da frase, mas não consegui encontrar nada. Sob a suposta autoria de Dylan, circularam várias imagens:

Tem alguma pista? Ajude-nos.

As mudanças das coisas (ou mutação instantânea #2)

escrevi aqui sobre as mutações nas músicas durante as sessões de estúdios de Bob Dylan. Porém, as experimentações dylanescas também sobem no palco, com o público como testemunha ocular nas transformações e improvisações nos arranjos.

Antes de falar da mudança, uma contextualização rápida da canção-objeto: “Things Have Changed”.

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Worried man with a worried mind

Durante uma pausa na turnê de 1999, em abril, Bob Dylan recrutou sua banda para ir ao Clinton Studios, em New York. Pela primeira vez, Dylan optou por não chamar nenhum produtor. Apenas o engenheiro Chris Shaw acompanhou os registros. A missão era gravar a primeira música desde Time Out Of Mind (1997), “Things Have Changed”

Depois de uma versão arrastada, a la “New Orleans”, que Dylan achou muito densa, ele e sua banda regravaram a canção. Para dar um toque mais rítmico, o baterista David Kemper incluiu chocalhos – que Bob tratou de aumentar exageradamente na mixagem. Chris Shaw se surpreenderia ao saber que aquela sessão de cinco horas, com uma mixagem rápida, seria a versão final e estaria presente nos cinemas do mundo todo.

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I’m in the wrong town, I should’ve been in Hollywood

Dylan compôs “Things Have Changed” especialmente para um filme – essa foi a primeira vez desde 1973 com “Pat Garrett and Billy The Kid”. A canção é trilha do filme Garotos Incríveis (Wonder Boys), dirigido por Curtis Hanson.

Tanto o longa-metragem quanto sua trilha receberam indicações para alguns prêmios, como o Globo de Ouro e o Oscar. Por ser uma premiação focada no cinema e não na música – como o Grammy – , Bob Dylan tinha grande interesse em conquistar a estatueta. Para estreitar suas relações com a Academia, que tem fama de não valorizar artistas ausentes, Dylan se engajou nessa missão.

Primeiro, Bob foi até o Globo de Ouro para agradecer a vitória na categoria “Trilha Sonora”. O segundo passo foi a aparição no Oscar de 2001. Como estava em turnê pela Austrália, fez uma transmissão via satélite para tocar “Things Have Changed” e fazer um discurso, caso ganhasse.

Eis o que aconteceu:

A esquisitice de Dylan no início da música se dá porque ele alterou de última hora seu posicionamento na câmera, bagunçando toda configuração de luz que o diretor do estúdio alugado fizera. No começo da música, Bob está verificando se está ao vivo ou se a imagem transmitida era uma gravação de segurança com o layout do diretor.

No agradecimento ao Oscar, Dylan disse:

“Oh, meu Deus, isto é incrível. Tenho que agradecer a Curtis Hanson por ter me encorajado a fazer isso e a todos na Paramount, Sherry Lansing e Jonathan Dolgen. Mas especialmente a Curtis, que se dedicou a isso… A todos na Columbia Records, minha gravadora, que me apoiou por todos esses anos… Eu queria dizer oi a todos da minha família e aos amigos que estão assistindo.

E eu gostaria de agradecer aos membros da Academia, que foram corajosos o suficiente para me dar um prêmio por esta canção – que obviamente… – uma canção que não trata com leveza nem faz vista grossa para a natureza humana. E que Deus abençõe a todos vocês com paz, tranquilidade e boa vontade. Obrigado”

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I’m not that eager to make a mistake

Com a paz e tranquilidade de ter conquistado o Oscar (que Dylan trataria de levar consigo em todos seus shows, deixando-o exposto no palco), Bob poderia agora, com boa vontade, deixar “Things Have Changed” sofrer as mesmas mutações que todas as outras canções sofrem quando caem na estrada dylanesca.

Abaixo, algumas variações:

Na edição de luxo de Tell Tale Signs, há uma versão ao vivo da canção, gravada em 15 de junho de 2000. A faixa mostra uma interpretação mais lenta e contida do que a de estúdio. (Edit: não há mais o áudio disponível no Youtube e afins).

Dez anos depois da gravação da música, Bob Dylan novamente a apresentou na TV, em 2009. Dessa vez era uma cerimônia em homenagem ao ator Michael Douglas (protagonista de Wonder Boys). Neste dia, Dylan parecia mais preocupado com o arranjo que fazia em sua guitarra (uma Duesenberg Starplayer TV) do que com o vocal. O resultado não é dos melhores, apesar dos bons solos:

Em 2011, a música ganhou velocidade, aproximando-se de um country cavalgante. Essa é a versão tocada em Florença, em 11 de outubro:

A partir de 2012, mais exatamente no dia 16 de julho, a canção recebeu de improviso um toque que se perpetuou no restante da turnê. A novidade é um detalhe, mas é interessante ver o registro da criação de um arranjo ditado por Dylan.

Observe o vídeo abaixo e preste atenção a partir do tempo 2:15. Dylan dá três notas na gaita, indica o tempo com a mão e é seguido de maneira discreta pelo baterista George Recile e parte da banda. Neste registro, é possível observar Donnie Herron (ao fundo) interagindo com os arranjos de Dylan na gaita e já “conversando” com os outros músicos sobre qual é a melhor hora para inserir a nova exigência do chefe.

O arranjo se tornaria padrão e apareceria nos shows posteriores, como no dia 19 de outubro de 2012, na Filadélfia (dessa vez, sem a indicação do maestro):

All the truth in the world adds up to one big lie

Se a máxima sessentista e dylanesca era um gerundio preocupado mas esperançoso com a mudança dos tempos, o Dylan do novo milênio, passado 40 anos, tem a experiência e a sabedoria para afirmar: as coisas mudaram. E não foi para melhor.

“Things Have Changed”, como o próprio autor afirmou em seu discurso no Oscar, é um retrato frio e desencantador da natureza humana. A busca por um significado em nossas vidas nos tornou fúteis e perdidos. Isso sem contar das ações escusas para conseguir o sucesso esteriotipado e hollywoodiano que a sociedade exige.

Em sua enciclopédia dylanesca, Oliver Trager elenca alguns dos subtemas tratados na canção: o isolamento sem esperança (“no one in front of me and no one behind”), questionamentos das finalidades (“waiting on the last trains… standing on the gallows with my head in a noose”), traição (“woman on my lap… got assassins eyes”), o desespero pela solução (“I’m in the wrong town, I should be in Hollywood”), confronto com realidades desagradáveis (“you can’t win with a losing hand”) e a busca pelo conforto através das razões erradas (“I’m in love with a woman who doesn’t eve appeal to me”).

Bob Dylan e sua (quase) apresentação no Ed Sullivan Show

Quando Elvis Presley se apresentou pela primeira vez no popular Ed Sullivan Show, em 9 de setembro de 1956, atingiu uma audiência de aproximadamente 60 milhões (82.6% das televisões americanas). Na década seguinte, em 9 de fevereiro de 1964, a participação dos Beatles no programa consolidou a Beatlemania nos EUA e foi assistido por 74 milhões de pessoas – 40% da população americana.

Quase um ano antes dos Beatles aterrisarem (e aterrorizarem) nos Estados Unidos, Bob Dylan foi convidado para participar do Ed Sullivan Show. Sua apresentação foi agendada para 12 de maio de 1963, apenas algumas semanas antes do lançamento do seu segundo disco, The Freewhellin’. Mas a música escolhida para se apresentar não foi aprovada por todos.

Talkin’ John Birch Society “Paranoid” Blues

Em 24 de abril de 1962, cerca de um mês após o lançamento do seu disco de estréia, Bob Dylan voltou para estúdio A da Columbia para grava seu álbum seguinte. Já no primeiro dia, gravou Talkin’ John Birch Society Blues. Sua estrutura é baseada no blues falado (talking blues), estilo difundido por cantores como Woody Guthrie.

A John Birch Society é uma organização que existe desde 1958 e foi fundada por Robert Welch. Seu discurso político é tido como de extrema-direita. Nos anos 60, incentivaram outros grupos na caça a comunistas.

Talkin’ John Birch Society Blues ironiza essa perseguição. Na canção, o eu lírico se junta a Sociedade John Birch para achar os comunistas. Procura no porta-luvas, atrás da cadeira e até dentro da privada, mas eles “já fugiram”. Acusa os “Reds” de lhe darem um choque quando ele procura dentro da TV. Nem a bandeira dos EUA escapa. Depois de usar uma lupa, a la Sherlock Holmes, ele descobre que existem faixas vermelhas na flâmula e culpa a suposta criadora, Betsy Ross. No final, a paranóia chega ao seu limite: o eu lírico vai até sua casa e começa a investigar a si próprio. Ele termina a canção torcendo para não encontrar nada grave.

Em uma das versões, a ironia dylanesca chega ao extremo:

Now we all agree with Hitlers’ views,
Although he killed six million Jews.
It don’t matter too much that he was a Fascist,
At least you can’t say he was a Communist!
That’s to say like if you got a cold you take a shot of malaria.

Inicialmente a música estaria no segundo disco de Dylan. As primeiras 300 cópias do álbum continham Talkin’ John Birch Blues e outras três músicas. Na versão final, elas foram excluídas para a entrada de canções mais recentes, gravadas um mês antes de seu lançamento (27 maio de 1963).

Ao que tudo indica, esta alteração nas músicas foi influenciada pela rápida visita que Bob Dylan fez no Estúdio 50 da CBS-TV – local que depois se tornaria o Ed Sullivan Theater.

The Ed Sullivan Show

Durante a semana que precedeu sua participação, o nome de Bob Dylan já estava sendo divulgado como um dos convidados do show, ao lado da atriz Vivien Leigh. Ele chegou a cantar Talkin’ John Birch Society Blues para Ed Sullivan, que aprovou não só a música, como o cantor.

Porém, horas antes da apresentação, Stowe Phelps, editor de práticas de programação da CBS-TV (função a que Shelton se refere como “nome extravagante para censor”), disse a Bob que ele não poderia tocar esta música. A alegação de Phelps era de que a emissora poderia ser processada por difamação, já que, na letra, Dylan compara os membros da John Birch Society com Hitler. Scaduto afirma que Bob gritou para Phelps: “Você está sem a sua porra de noção? Sobre que diabos eles poderiam processar?”.

Sullivan não gostou da determinação da diretoria, mas pediu a Dylan que mudasse de música. Furioso, Bob respondeu: “Se eu não posso tocar essa música, não vou cantar nenhuma música”.

Dois dias depois, em entrevista ao New York Post, Sullivan deu sua versão: “Dissemos à CBS: ‘A emissora é de vocês, mas a decisão é errônea e a política por trás dela é errônea”. Ele também argumentou que políticos como o presidente Kennedy e o governador Rockefeller eram focos de piadas dos comediantes de TV.

Consequências

Apesar de não se apresentar para milhões de pessoas, Bob ganhou notoriedade por conta de sua desistência na apresentação e por acusar a emissora de censura.

Mesmo depois da sua postura, quando a canção ficou de fora do seu segundo disco, muitos acusaram Dylan de ter se vendido. Bob ainda não tinha o poder que teria após o lançamento de The Frewhellin’. Para Scaduto, se a confusão tivesse ocorrido anos depois, em 1965, quando Dylan tinha autonomia para decidir muita coisa, talvez a receptividade da ordem da Columbia seria diferente.

O fato é que o próprio cantor percebeu no meio do caminho que sua personalidade artística estava mudando. Rapidamente ele se distanciava do persongem “filho de Woody Guthrie” que criara e se aproximava de uma estrada mais autoral. Entre as músicas incluídas na última hora, estão as clássicas Masters of War e Girl From the North Country.