Sobre Bob Dylan e sua Musa (ou Entrevista: o diálogo possível)

AARP

Acabo de ler a longa entrevista de Bob Dylan na revista da AARP (sigla em inglês para Associação Americana dos Aposentados). É a primeira conversa de Dylan com a imprensa nos últimos três anos. A anterior foi com a Rolling Stone para divulgar Tempest (e teve um resultado bem mais cáustico do que esta).

Nas cerca de 9 mil palavras (ou 11 páginas impressas!), Bob Dylan conversou com Robert Love, editor da AARP Magazine e ex-funcionário da Rolling Stone. Eles falaram sobre as influências musicais, os anseios em torno de Shadows in the Night e, entre outros assuntos, a relação de Bob Dylan com sua musa maior – a música a poesia intrínseca a ela.

Permito-me fazer um devaneio sobre o que acabo de ler.

Ao terminar de ler a entrevista, me veio um antigo e minúsculo livro que me deparei na época da faculdade. Nunca me esqueci dele. Entrevista: O diálogo possível. De Cremilda Medina. Basicamente é um guia de como se fazer uma entrevista. A ideia é simples: uma entrevista deve ser um diálogo e, para isso, ambas as partes devem se alimentar do conteúdo. O entrevistador sempre sairá com algo novo, já que é essa a razão da conversa. Mas o segredo está em como fazer com que o entrevistado seja atingido de maneira equivalente.

E mais do que isso: como não transformar uma entrevista em um interrogatório!

Neste aspecto, acho que Bob Love conseguiu o trunfo de criar um papo com fluidez, muito conteúdo relevante e, o mais surpreendente, com uma considerável participação de Bob Dylan. Ao final da entrevista, Dylan relata:

“Eu achei essas perguntas muito interessantes. A última vez que eu dei uma entrevista, o cara queria saber de tudo menos de música. As pessoas fazem isso comigo desde os anos 60 – eles perguntam coisas que eles perguntariam para um médico, um psiquiatra, um professor ou um político. Por que? Por que você está me perguntando essas coisas?”

Dylan estava conectado ao entrevistador durante a conversa. O papo abriu o caminho para uma parceria e troca de informações. Não era um interrogatório. Era uma reflexão coletiva.

E aí vai outra reflexão: a crítica músical, assim como a própria indústria, enfrenta algo bizarramente similar aos anos 60. Se há 50 o jornalismo musical estava ainda em ascensão, hoje parece estar em queda livre – pelo menos na grande mídia. “Músicos” mais dançam do que cantam; o palco é preenchido com mais fogos e luzes do que instrumentos… e o jornalismo segue a mesma escassez de conteúdo.

420-bob-dylan-leans-hoodVoltando!!! E do que eles falaram? Sobre a ode à essência; sobre o respeito ao que importa; e, acima de tudo, sobre se manter fiel ao que acredita. Dylan desdenha Eric Clapton, Rod Stewart e Elton John, mas faz de maneira menos polêmica e mais motivacional. É como ele quisesse sugerir a eles que seguissem mais o coração do que a cabeça (apesar de admitir que um idoso precisa se apegar a sabedoria ao invés da paixão).

Bob Dylan reflete sobre sua base musical. Discorre sobre a verdade na música. O misticismo religioso necessário para criar uma conexão com a arte. A música é essencialmente humana e não pode ser convidada a malícias tecnológicas tão efêmeras quanto frias.

Sinatra e o mundo que Dylan ironicamente ajudou a destronar nos anos 60 merecem respeito. Se Frank passa o ápice da beleza humana em sua voz, faz isso através de um arranjo meticulosamente magistral e com um conteúdo que conecta todos. A essência é o conteúdo, a poesia, a letra, a história. Conectar-se com o enredo musical é a virtude do bom intérprete. Ser afinado e técnico passa a ser secundário.

Se em Shadows… ele homenageia os grandes compositores e letristas da geração anterior a ele, nesta entrevista ele faz questão de vomitar várias outras influências. Chuck Berry, Staple Singers, Glenn Miller, Bill Monroe, Hank Williams, Woody Guthrie. É como se ele tivesse explicando: eu não fiz nada de mais, apenas segui os passos dessas pessoas. E acreditei na minha Verdade.

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Mais do que todo o conteúdo tratado na entrevista, a pergunta que fica na mente é: por que Dylan quer falar com os aposentados americanos? Será que é por conta das músicas recém lançadas? Será pelas referências que Dylan queria fazer? Será que ele se assume como um idoso (enquanto Macca insiste em fazer parcerias com Rihanna, Kanye West, Lady Gaga e sabe lá quem mais!)?

E ae, alguma opinião?

7 thoughts on “Sobre Bob Dylan e sua Musa (ou Entrevista: o diálogo possível)

  1. Li ontem pela manhã a entrevista.Foi uma das melhores entrevistas com músicos (ou artistas em geral) que li nos últimos tempos e lançou luz sobre muitas coisas que me intrigavam no universo dylanesco. Processo criativo,a dualidade talento x trabalho x inspiração,reflexões sobre o tempo,arranjos,técnicas de gravação. Dylan,como o próprio Love disse ao final,foi generoso. E Love,linkando com Cremilda Medina e também com o texto aqui do blog,também o foi,ao ser menos óbvio na abordagem e partir para terrenos pouco explorados. Degustei com prazer.

    P.S:Sempre bom ver a reverberação das novidades do velho por aqui. É uma possibilidade de debate que se abre. De ideias e sentimentos.

  2. Pois é. Em se tratando de Bob o inusitado é sempre a regra. Mas apenas para os desavisados, porque quem o acompanha, ainda que de leve, sabe que ele nunca se repete e é isso que o torna tão único. Nesses tempos de jornalismo cultural pífio e artistas insossos é como se o repertório de Dylan ‘reeducasse’ ouvidos e chamasse a atenção para uma tradição musical que parece estar se perdendo na América. Ao regravar essas canções e impingir arranjos de jazz, country, r&b, seu apuro vocal, etc, ele trabalha com as raízes do cancioneiro e da música norte americana, que – há tempos – vem sendo relegada a notas de rodapé e ignorado pelo público que consome música. E isso é triste. Mais triste ainda é que não é a primeira vez que ele recorre a essa tradição musical, já que sempre transitou por ela. É que o nível dos artistas que chegam ao grande público deve andar muito ruim mesmo…

    1. Estou a procura disso tb! Já li na íntegra o discurso (e devo escrever algo sobre ainda esta semana).
      Se encontrar as imagens (ou o áudio), manda pra cá!

      Abraços

  3. Ouvi dizer da possibilidade de shows do Dylan em 2015 em algumas capitais brasileiras….alguem pode me informar a respeito ….já esta confirmado datas e locais ?

    1. Falae, Roger! Desculpa a demora.
      Houve esse boato, mas Dylan já marcou shows na Europa em junho/julho, então acho que não será em 2015.
      Abraços!

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