Bob Dylan em Brasília, por Eduardo Bueno

Abaixo, a tradução (autorizada) da resenha que o Eduardo Bueno fez do show de Brasília. Traduzi em parceria com meu ilustre amigo e editor Fábio Bonillo.

Eduardo Bueno e tela feita por Oscar Fortunato (foto: Lydia Himmen)

Enfim, depois de quatro turnês no Brasil – a “Brazil Series” -, Bob finalmente veio pela primeira vez ao coração do planalto mais antigo do país (800 milhões de anos), o Planalto Central, onde está instalada a chamada “futurística” cidade de Brasília.

Não é apenas a capital do Brasil, mas também a capital da corrupção no Brasil…

Roubam tanto em Brasilia que surrupiaram até a acústica do Ginásio Nilson Nelson. Mas Bob roubou a cena de volta para si. O resto é cascata – ou será que é cachoeira?

Mas, até aí, quem se importa? Para aqueles que, como eu, estavam na primeira fileira, não apenas foi possível VER o Dylan perfeitamente como também OUVI-LO. Você realmente conseguia ouvi-lo, o que é realmente uma dádiva, mas não conseguia ouvir NADA que a banda tocava.

Acredito que tinha cerca de 5 mil pessoas naquele lugar horrível. O show começou pontualmente às 21h30.

1) Bob e a banda abriram com uma bela mas não especial interpretação de “Leopard Skin Pill Box Hat”. Edie Sedgwick não estava por perto – ela nunca esteve. Mas esse lugar já esteve repleto de onças, os “primos” sul-americanos do leopardo. Eles sobreviveram até 1960, quando Brasília foi erguida no meio do nada e eles foram caçados até a extinção… Bem, eles pareceram ressuscitar brevemente naquele estranho chapéu…

2) A segunda música foi “Don’t Think Twice, It’s Allright”, naquela espécie de arranjo country que se tornou comum recentemente. Eu não acho que fez jus à versão antiga, mas você sabe, é apenas uma opinião.

3) Terceira música: “Things Have Changed”, o primeiro momento de peso do show, pelo menos para mim. Bob no meio do palco, se movimentando como uma marionete para cantar sobre esse mundo cheio de loucos em tempos estranhos, em que NÓS sentimos como marionetes a maior parte do tempo, mesmo sem saber quem está puxando os fios… Ao menos dessa vez os fios estavam nas mãos do crooner Bob, e ele cantou com o coração e a alma, comprovando que, apesar das letras, ele ainda SE IMPORTA…

4) Quarta música: “Tangled Up in Blue”. Bem, amigo: ele não apenas ainda se importa: parece que ele ainda sente a dor da separação, que parte o coração e no lugar deixa um saca-rolhas: cada palavra foi cantada como se tivessem sido escritas em sua alma. Ótima versão, eu achei.

5) Depois, minha primeira versão ao vivo de “Beyond Here Lies Nothing” e, de certa forma, para mim, ela soou ainda melhor que no álbum, e de nenhuma maneira senti falta do acordeão de Dave Hidalgo. Não foi maravilhoso, mas muito bom.

6) “Simple Twist of Fate”, que faz par com “Tangled Up in Blue”, eu achei fantástica. Já tinha ouvido muitas – cerca de dez – versões ao vivo dela, e essa, em particular, foi a melhor que ouvi, depois de todos esses anos… “If I was born too late, blame it on the simple twist of…”, etc.

7) “Summer Days” costumava levantar a plateia em outras apresentações a que assisti (principalmente aqui no Brasil, em 2008), mas não dessa vez. Bem, coloque a culpa na pior acústica de todas. Não consegui ouvir nenhum acorde que a banda tocou. Mas, julgando pelo que deu a impressão de ser só uma mímica, continua sendo o mesmo poderoso rockabilly de sempre, ao menos isso, eu penso…

8 ) A terna e agridoce sinfonia que é “Spirit on the Water” sofreu o mesmo problema. Bob cantou maravilhosamente, mas eu não sei, algumas coisas estavam faltando. Entre elas, O SOM da banda!

9) “Honest with Me”: quer que eu seja honesto com você? Acho que a música era quente como costumava ser, mas, cara, ninguém nas primeiras fileiras conseguia ouvir algo executado pela banda e esta não é uma música para Bob se apresentar “apenas” com sua voz (tudo que podíamos ouvir), não é? Então, eu não posso “julgar”, mas acho que o “meio” foi a parte mais fria do show.

10) Mas então, ah cara, uma magnífica, incrível e mágica versão de “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”, com a plateia cantando junto a parte “and it’s a hard and it’s a hard”!!! Havia quatro garotos do meu lado: ELES TINHAM QUATORZE ANOS!!!! A música era três vezes mais velha que eles! A soma da idade dos três era a idade da própria canção!! Atrás de mim havia um casal de 60 anos! Cara, de alguma forma é um sonho do Dylan ter todo o tipo de público, de todas as idades, tornando-se realidade! Ele soava como um Rimbaud recitando suas enumerações! Era poesia simbolista francesa na melodia do folk-rock. O primeiro ponto alto do show, na minha (e de outros dylanófilos) opinião. Confie em mim!

11) Então “Highway 61”, brilhante como nunca, e finalmente pareceu que alguém lá atrás, na mesa de som, foi capaz de mixar o som e, apesar da acústica sofrível (que algum senador provavelmente roubou da obra para usar no casamento de seu filho… hehe), a banda também, finalmente, SOOU booooooooooa.

12) Então, meus caros, vocês podem “enterrar o pano nas suas caras”, porque Bob ofereceu para o Brasil uma incrííííííível versão de “Blind Willie McTell”, forte o bastante para fazer um adulto chorar. Foi incrível, mágico, espectral, profético. Soou tão boa quanto a versão apresentada na cerimônia em homenagem ao Martin Scorsese em Los Angeles, acho que em 12 de fevereiro (ou janeiro) deste ano (até onde eu sei), a única música apresentada ao vivo antes do início da turnê, no Rio de Janeiro, no último domingo. Primeira vez que eu ouvi esta música ao vivo, depois de mais de 70 shows que eu já vi. Talvez alguns na plateia ainda vejam “o fantasma dos navios negreiros”, desde que o Brasil foi a última nação na Terra a abolir escravidão e aquela que recebeu o maior número de escravos em TODOS OS TEMPOS (cinco milhões de escravos foram trazidos para o Brasil entre 1532 e 1888).

13) Depois uma tórrida, rápida e barulhenta versão de… “Thunder on the Mountain”. E nós podíamos ouvir a banda novamente…

14) “Ballad of a Thin Man” seguido por um ótimo efeito de eco que está se tornando frequente. Simplesmente perfeito, na minha opinião, com Bob como um croupier jogando suas cartas para uma plateia estática, no centro do palco, olhando como uma estátua, como – desculpe por dizer isso – como uma lenda viva, brilhando, feliz, seguro, completo, cheio, verdadeiro, real e fiel como fogo e gelo!

15) Então “Like a Rolling Stone” com ele no teclado, mas assoprando sua gaita como NUNCA ANTES, quatro hooooooras (ok, quatro minutos…) e, no último verso, ele assopra a gaita entre CADA linha. A primeira e única versão desta forma até então e que foi, para mim, a coisa que fará essa apresentação em Brasília tão única. Eu espero que alguém tenha gravado isso. Eu sou muito atrasado para tecnologias para fazer isso. Espero que isso apareça no Youtube logo. Vale a pena ir atrás disso, amigos!!! Eu juro!

16) Como de hábito, “All Along the Watchtower” veio na sequência e foi também poderosa. Bob no centro do palco, dançando, movendo-se. Depois, pega a guitarra e toca como um demônio. Isto também foi ótimo.

17) Bom, eles estavam errados, porque depois de quatro minutos de aplausos de pé, o homem e sua banda voltam para uma dançante, suingada, divertida e hilária versão de “Rainy Day Women”, como se isso fosse uma mensagem para nós: todo mundo precisa ficar louco.

Especialmente, é claro, os senadores corruptos brasileiros – neste caso, literalmente apedrejado [“get stoned” pode ser tanto “ficar drogado” como “ser apedrejado], é claro! “When, I can only guess…”

Então, às 23h10, depois de exatos 1 hora e 40 minutos de pura música, com 17 canções, está realmente terminado.

Mas haverá outros quatro shows no Brasil, o país com o maior preço por ingresso do mundo, acredite ou não (US$ 300 por ingresso, parceiro: enfim, alguém tem que pagar pelo casamento do filho do senador, e não seja pego sem um ingresso, escondido embaixo do caminhão, cara!!!). Por enquanto é isso, pessoal!

Eduardo Bueno

13 thoughts on “Bob Dylan em Brasília, por Eduardo Bueno

  1. Brasília merecia um lugar com um som mais profissional para receber os grandes artistas. O ingresso é caro e o som fica bem aquém. Acabei não indo nesse show do Bob Dylan com receio de ficar com uma má imagem dele, no final de sua carreira.

  2. Obrigado por postar esta resenha e os vídeos.
    Em que língua e para quem o Eduardo Bueno escreveu, visto que foi necessário traduzir?

    Um abraço a todos

  3. O Eduardo tava a poucos passos de mim, a gente tava beeem na frente. E ele disse tudo, foi bem isso aí mesmo. Magistral.

  4. Eu estava na pista premium, não tão na frente do palco, mas de frente para uma das colunas de som.
    Ali o som foi melhor e sim, o show foi maravilhoso.

  5. A lenda porto alegrense PENINHA BUENO acertou no alvo.
    Sou um apreciador do texto deste meu vizinho ,e acho que ele ainda vai contar suas aventuras na Dylan Land….nós esperaremos por isso.

    Imaginem o que ele vai escrever sobre o show em sua terra natal..heheheheheeh.

    #dylanlivepoa2012

  6. ok eduardo. gostei do seu texto mas com algumas ressalvas.
    quando voce fala em brasilia, corrupção, alias comentários desnecessarios, lembro a voce que o show foi realizado na parte da Brasilia real. e naõ na esplanada dos ministerios. As pessoas que foram ao evento são gente de carne e osso, igualzinhas as quem tem pelo Brasil a fora.esse negocio de estigmatizar a cidade como cidade corrupta já ta enchendo o saco.

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