Shadow Kingdom – a live ao estilo dylanesco

Depois de cerca de 1 ano e meio de pandemia, Bob Dylan resolveu fazer sua própria live. Nada de Facebook, Instagram ou mesmo Youtube… Bob Dylan solicitou os serviços da plataformaVeeps para lançar seu primeiro show online, com ingressos a 28,75 dólares.

No domingo, 18 de julho, às 18h no horário de Brasília e sem nenhuma introdução, aparece Bob Dylan com uma banda de jovens com máscaras de proteção – prontamente chamados de Masked & Anonymous pela internet (são eles: Alex Burke, Janie Cowen, Joshua Crumbly, Shahzad Ismaily e Buck Meek). O cenário é um típico bar ou espelunca de beira de estrada com alguns figurantes na plateia abusando dos cigarros. Bob Dylan se transforma em um mero cantor anônimo de um lugar qualquer, cantando devaneios poéticas sobre a vida.

Salvo algumas aparições de guitarra e baixo elétrico, os instrumentos são majoritariamente acústicos – mandolin, baixo acústico, acordeon e violões e sem a presença de bateria. Todos os arranjos são novos e trazem um frescor para a interpretação de Dylan, que é um capítulo a parte.

Como ouvimos em Rough & Rowdy Ways, sua voz perdeu boa parte da aspereza dos tempos de Tempest ou Together Through Life. É como se a fase jazzy dos discos recentes o dessem uma energia vocal extra. Agora ele parece ter mais controle técnico, dando-lhe mais liberdade artística para interpretar as canções. Ele se mostra tão à vontade, que se permite ousar mais na comunicação as mãos, servindo como um complemento das intenções do cantor.

São 13 canções ao longo de 50 minutos de apresentação. Todas as releituras ficaram fabulosas, mas há sempre aquelas que ganham mais nossos corações. Para mim, a primeira foi “Queen Jane Approximately”, com uma interpretação bela e melancólica. “I’ll Be Your Baby Tonight” perdeu o country e ficou mais rock’n’roll, quase rockabilly. Nela, Dylan é acompanhado por duas belas mulheres – uma negra que parece mais tímida e uma branca totalmente a vontade e flertando através da câmera.

“Tombstone Blues” ganha um arranjo mais etéreo, enfatizando ainda mais sua poesia. “What Was It You Wanted” – a única música datada fora das décadas de 60 e 70, manteve o tom soturno e lamurioso, mas com uma nova e interessante roupagem.

Dylan trouxe não só frescor na forma, como no conteúdo. Algumas músicas tiveram suas letras alteradas – como ele sempre fez ao longo dos anos. “To Be Alone With You”, por exemplo, foi completamente reescrita:

“To be alone with you
Just you and I
Under the moon
With the star spangled sky
I know you are alive
And I am too
My one desire
Is to be alone with you

To be alone with you
Even for just an hour
In a castle high
In a ivory tower
Some people don’t get it
They don’t have a clue
They don’t know what is like
To be alone with you

They say the night time is the right time
To hold each other tight
All I worldly cares would disappear
And everything would come all right

I wish the night was here
Make me scream and shout
I’d fall into your arms
I’ll let it all hang out

I’ll held you to death
That’s just what I’ll do
I won’t sleep away
‘Till I’m alone with you

I’m collecting my thoughts in a pattern
Moving from place to place
Step it out into the dark night
Step it out in this pace

What happened to me darling
What was is that you saw
Did I kill somebody
Did I scape the law

Got my heart and my mouth
My eyes are still blue
My mortal bliss
Is to be alone with you
My mortal bliss
Is to be alone with you”

Talvez uma das favoritas de todos tenha sido “Forever Young”. Um eterno hino paternal ficou mais ainda mais bonita com o novo arranjo. No vídeo, um avô Dylan mantem seus conselhos de vida em uma interpretação primorosa.

Outra que ganhou uma belíssima versão foi “It’s All Over Now, Baby Blue”, que fecha o show.

Porém, um ponto negativo me chamou a ateção. Toda a live não só não foi ao vivo como ainda foi gravada em playback. Dylan deve ter juntado todos os músicos no estúdio para definir as versões e gravá-las e só depois foram para o cenário para gravar versões dubladas. Tecnicamente talvez seja mais eficaz para garantir uma sonoridade boa e um ambiente sem microfones para todo o lado, mas por outro, uma vez que você percebe a dublagem, fica uma sensação esquisita.

Há, por exemplo, casos bizarros em que um músico está tocando guitarra quando claramente o som que ele interpreta é o de um violão. Muitas vezes os músicos erram seus arranjos, criando uma marionete pífia de si mesmo. Dylan também erra, mas conta com uma iluminação e um microfone a frente do seu rosto para ajudar na aparência. Se tomarmos como conceito que o projeto é um conjunto de releituras acompanhados de videoclipes, o incômodo fica mais ameno.

No geral, a obra entrega uma experiência dylanesca. Surpreendente, comovente e acima de tudo, original.

Veja o repertório completo:
Shadow Kingdom – The Early Songs of Bob Dylan

  1. When I Paint My Masterpiece
  2. Most Likely You Go Your Way And I’ll Go Mine
  3. Queen Jane Approximately
  4. I’ll Be Your Baby Tonight
  5. Just Like Tom Thumb’s Blues
  6. Tombstone Blues
  7. To Be Alone With You
  8. What Was It You Wanted?
  9. Forever Young
  10. Pledging My Time
  11. The Wicked Messenger
  12. Watching The River Flow
  13. It’s All Over Now, Baby Blue