Resenha: Bootleg Series 16 – Springtime in New York

O 16º volume da Bootleg Series coloca luz na primeira metade dos anos 1980, mostrando um Bob Dylan pós-fase cristã e sem as maquiagens sonoras oitentista dos lançamentos da época.

“Springtime In New York” é o título dado ao volume 16 dessa discografia paralela dylanesca. A versão Deluxe possui 57 faixas, distribuídas em 5 discos e totalizando 4 horas e 20 minutos. O período coberto vai desde ensaios em outubro de 1980 meses, antes de Shot of Love, até março de 1985, durante as gravações de Empire Burlesque. Ao contrário de volumes anteriores recentes, o box é uma seleção das sobras de estúdio e versões ao vivo – ao invés de um compilado mais completo, incluindo versões inacabadas, como já feito. 

Admito que minha má relação com a sonoridade dos anos 80 me fez não me aproximar tanto de Infidels e Empire Burlesque. Até por este motivo, “Springtime in New York” é ótimo pois traz inúmeras faixas dessa época despidas dos exageros na mixagem tão comuns em sua época.

Disco 1 – Ensaios em outubro de 1980

O primeiro disco traz registros de ensaios ocorridos no fim do ano 1980. Poucos meses antes de Dylan entrar em estúdio para gravar Shot Of Love, os ensaios mostram o músico utilizando as influências de som da fase cristã, mantendo o trio de backing vocals negras, e reaproximando de canções sem teor religioso.

Meus destaques são “Let’s Keep it Between Us”, logo depois gravada por Bonnie Raitt  e covers inusitadas: “We Just Disagree” (gravada por Dave Manson), “Sweet Caroline” (famosa na voz de Neil Diamond) e “Fever” (um clássico na voz de Elvis Presley).

É impossível não notar a alta qualidade da banda que o acompanhava, com ótimos arranjos. Bob Dylan também mostra estar com uma bela voz, com um timbre bem harmonioso junto das cantoras que o acompanhavam: Clydie King, Gwen Evans, Regina McCrary e Carolyn Dennis (que se tornaria sua esposa até a década de 90).

Disco 2 – Sobras de Shot of Love

Shot of Love é considerado o último disco cristão de Dylan. Talvez seja o último mais explícito, mas religiosidade, em especial o cristianismo, é um tema que o cantor aborda até em composições recentes, além de menções em entrevistas.

Os destaques ficam com um reggae repaginado em “Is it Worth It?”, a bela cover de “Cold, Cold Heart” e a incrível “Yes Sir, No Sir”, uma canção muito diferente do que imaginei que Dylan pudesse fazer (se é que podemos esperar algo…). Com seu riff e ambiente quase progressivo (mas mantendo um aleluia repetitivo para indicar os objetivos religiosos, é claro).

Disco 3 e 4 – Sobras de Infidels

Os dois próximos discos compilam sobras de estúdio de Infidels. Seu maior diferencial é apresentar não apenas gravações que não constam no disco, mas principalmente apresentá-las sem reverbs, delays e todos os efeitos de som tão característicos da década de 1980 – que não poupou nem Bob Dylan!

Ouvir as canções despidas dessa maquiagem excessiva deixam mais aparentes suas reais belezas. Uma letra contundente, uma interpretação sensível e belos arranjos. Em algumas canções, é possível ouvir uma voz sendo forçada a um tom alto demais – uma tendência que Dylan teria até o início dos anos 1990 – que talvez seja as grande referência para os imitadores de plantão.

Dentre os destaques, impossível não citar “Jokerman”, a incrível “Blind Willie McTell” – que como sabemos, bizarramente ficou de fora do disco e só foi resgatada anos depois. As duas versões de “Don’t Fall Apart on Me Tonight” são belíssimas, mostrando a habilidade de Dylan em mudar completamente o significado da canção a partir da mudança de tempo e interpretação. “Someone’s Got a Hold of My Heart” também merece menção. Se transformaria em “Tight Connection to My Heart”, mas nesse momento tem uma letra completamente diferente, com mais referências e ao meu ver bem superior à versão final.

E “I And I” não sofre tanta diferença com a versão final (tirando a mixagem), mas merece menção pela ótima história com Leonard Cohen.

Disco 5 – Versões ao vivo e sobras de Empire Burlesque

Não entendi bem a intenção em incluir apenas duas canções ao vivo e bem no começo – achei um pouco desconexo com o box. A primeira é “Enough Is Enough”, gravada em Slane Castle, e a segunda é uma das lendárias aparições de Dylan no programa Late Night com David Letterman.

Das sobras de Empire Burlesque, um disco que sofreu, na minha humilde opinião, muito com a mixagem oitentista, destaca-se a crua “Seeing the Real You at Last”, as duas versões de “When the Night Comes Falling From the Sky” e “Dark Eyes”, esta última por ser uma das melhores canções de Dylan.

“New Danville Girl” é uma epopéia de quase 12 minutos muito citada em livros diversos, principalmente pela repaginada que sofreu até chegar na versão final, intitulada “Brownsville Girl”.

Conclusão

Springtime In New York é uma compilação interessante que consegue mostrar que até em momentos poucos intrigantes Dylan consegue se diferenciar da multidão. Ouvi-lo me fez gostar mais de muitas das canções pois, como insisti aqui, foram mostradas despidas dos excessos.

Está longe de ser um dos melhores volumes da Bootleg Series, mas cumpre seu papel de trazer luz a uma época específica.