Resenha: Rolling Thunder Revue, a caixa

No mesmo mês do lançamento do filme sobre a turnê Rolling Thunder Revue pela Netflix, a Columbia lança uma caixa com todas as gravações profissionais da turnê de 1975, além do registro de ensaios e extras. No total são 10 horas, 32 minutos e 18 segundos ao longo das 148 faixas e distribuídos em 14 CDs.

Paralelo ao lançamento do filme e desta caixa, também há o relançamento do Bootleg Series Vol.5, inicialmente de 2002, que agora funciona basicamente como uma compilação de 22 canções dessas 148.

(Para ler sobre a turnê, recomendo este artigo que fiz anos atrás)

Unboxing

A caixa é menor do que as Bootleg Series, mas ainda assim muito bonita. Dos 14 discos, 10 foram organizados em envelopes duplos por serem do mesmo show. Assim, temos cinco shows completos, além de três discos com ensaios antes da turnê – dois discos no Studio Instrument Rentals (SIR) e um para os ensaios no Seacrest Motel. O box finaliza em um disco com extras, contendo gravações amadoras de momentos históricos dos shows, áudios de cenas registradas pela equipe de filmagem e até um anúncio de rádio divulgando a turnê.

Também há um livreto de 52 páginas com um texto sobre a turnê escrito pelo romancista Wesley Stace e um breve descritivo dos discos da caixa.

Análise

The 1975 Live Recordings traz o registro de uma fase magistral. A cada show, Bob Dylan tocava por quase 2 horas e dividia o palco com vários outros artistas – cada apresentação do Rolling Thunder Revue chegava a 4 horas de duração.

Com um apelo circense performático e compartilhando as atenções com outros artistas, Bob Dylan parece ter diminuído a pressão para si, tornando-se mais leve no palco. No recente filme de Scorsese, diversos registros mostram um artista que gesticula, anda pelo palco e distribui olhares a todos – atitudes pouco comuns no palco dylanesco, antes e depois da Rolling Thunder.

Os 14 CDs mostram não apenas a evolução dos arranjos entre Bob Dylan e a banda de apoio, intitulada Guam, mas também as mutações nas linhas vocais ao longo da turnê – para mim, parte da relevância em ter este registro tão extenso.

Destaques

Existem várias pérolas espalhadas pelas 148 faixas, que vão ganhando importância ao longo da audição constante. Fiz aqui um destaque dessas primeiras audições:

  • Hurricane (Disco 7, Faixa 3): na apresentação no Harvard Square Theatre, Bob Dylan brinca com a melodia da canção, subindo e descendo, sem perder uma palavra da longa história.
  • Blowin’ In The Wind (Disco 12, Faixa 8): em Quebec, Dylan e Baez entoam o famoso refrão em francês, levando o público ao êxtase instantâneo.
  • Joey (Disco 1, Faixa 7): Bob Dylan entrara em julho de 1975 para gravar Desire, que seria lançado apenas no início do ano seguinte. Em outubro, durante os ensaios da Rolling Thunder, “Joey” aparece em uma única versão vagarosa e interessante, a começar pela sua introdução crescente.
  • She Belongs To Me (Disco 1, Faixa 6): Uma versão divertida, com Dylan improvisando a letra e transformando o romance de outrora em cutucadas a uma mulher exigente demais. Impossível não refletir sobre os dissabores que Bob passava no casamento.
  • This Land Is Your Land (Disco 1, Faixa 16): Registro da primeira versão ensaiada, com Dylan sugerindo que terminassem o show com ela – algo que aconteceu ao longo da turnê, numa versão bem mais rápida. Em outra versão, Bob Dylan diz que um dia esta música seria o hino nacional.
  • Wheel’s On Fire/ Hurricane/ All Along The Watchtower (Disco 2, Faixa 4): uma tentativa muito interessante de medley. Uma pena que ficou apenas no ensaio.
  • Isis (todas): Isis talvez seja um dos melhores exemplos da liberdade dylanesca durante a Rolling Thunder. Seja pelo andamento, pela intensidade ou pela melodia, cada uma das seis versões de Isis ganha sua atenção.
  • Simple Twist of Fate (Disco 7, Faixa 1): em sua única aparição com gravação profissional do box, a canção gravada em Harvard está nua. Bob Dylan canta como se fosse a última vez que a cantaria.
  • It Ain’t Me Babe (Disco 4, Faixa 2): em Worcester, Bob Dylan começa a canção em um timbre único e diferente. Meio agudo, sussurrado, ele transforma a libertação em uma belíssima angústia insegura.
  • Romance In Durango (Disco 10, Faixa 5): no segundo show da noite, em Boston, Bob Dylan força a banda a uma versão mais rápida e intensa. Divertido ver a música mudando ao longo da sua execução e ficando cada vez mais quente.

Conclusão

Com o lançamento desta caixa, o escritório de Bob Dylan parece oficializar mais uma linha de produtos. Além dos lançamentos inéditos, com Dylan tendo aparente controle completo, Jeff Rosen resgata do acervo dylanesco dois produtos: a Bootleg Series, já em seu 14º volume e a Live Recordings, que não é numerada, mas organizada por ano (em 2016 foi lançada o 1966 Live Recordings).

The 1975 Live Recordings é uma necessidade, ao menos de audição, para qualquer fã dylanesco. Se 1966 a raiva era o motor, em 1975 temos a liberdade como faísca. Vale cada segundo.

4 thoughts on “Resenha: Rolling Thunder Revue, a caixa

  1. De novo e sempre é pelo trabalho apurado do Dylanesco que vamos além das aparências. É por aqui que se sorve o saber enciclopédico e algo mais sobre o universo do bardo.
    Saudações dylanescas, Visconde SábioGoza

    1. Visca,
      Como já te disse, é sempre uma honra receber elogios sobre meus devaneios vindos de quem está imerso neste universo dylanesco.
      Abração, meu caro!

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